Ver-se a si mesmo, por Fábio Rodrigo
Numa destas poucas horas de lazer, o indivíduo pega o celular e registra uma selfie. A ideia era compartilhar nas redes sociais as mesmas impressões que tinha de si naquele momento. Normal. Qualquer um faz isso. Constatou em seguida que a câmera do celular estava programada somente para tirar selfies. Mesmo intrigado com isso, deixou pra lá e voltou ao seu trabalho.
Notou que sua rotina não era a mesma de outrora. Ao passar pela recepção da empresa, percebeu que ele próprio era o recepcionista. Atordoado, seguiu para sua sala. Minutos depois, ele era seu chefe. E entrara na sala sem pedir licença para cobrar resultados e mais resultados. Estava o indivíduo, sentado à mesa, defronte de si mesmo, em pé. Era uma sensação desconfortante ver-se e, ao mesmo tempo, dar uma sonora bronca em si mesmo.
Não tinha dúvidas: estava alucinado. Chegou a pensar que alguém tivesse posto um alucinógeno em sua bebida. Precisava falar isso para alguém. Para quem deveria ligar? Pensou em seu médico de confiança. Talvez ele dissesse ser estafa mental decorrente de forte estresse no trabalho. Ligou e o próprio indivíduo atendeu a ligação. O indivíduo foi à loucura quando, do outro lado da linha, estava alguém com a sua voz. Ele era o próprio atendente. Era uma conversa consigo mesmo. Disse que em poucos minutos estaria no consultório. E bateu o telefone.
Comunicou a seu chefe, ou seja, a ele mesmo que não estava se sentido bem. Precisava ir urgentemente ao médico. Saiu com seu carro do estacionamento. Na rua, todos eram ele próprio. Não acreditava no que estava vendo. Confuso, quase provocou um acidente no trânsito. E ainda teve que ouvir xingamentos vindos dele mesmo em outro carro que passava.
No consultório, o médico não conseguia entendê-lo. Como alguém pode ver-se a si mesmo? O indivíduo tentava de todas as maneiras uma melhor explicação a dar ao médico. No final das contas, nem o indivíduo sabia mais quem ele era de fato. Se ele era quem ele via ser ele mesmo ou se ele era quem ele sempre achou que fosse ele.
Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.