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Vamos falar sobre mobilidade urbana? E suas tretas também, por Sammis Reachers

Nossas escolhas/Foto: O São Gonçalo
Nossas escolhas/Foto: O São Gonçalo

Há muito tempo o Brasil fez a opção, em termos de transportes, por um modal, ou seja, uma modalidade que passou a ser priorizada: o transporte rodoviário. A opção tinha algo de inevitável: o advento do automóvel representou mesmo uma “revolução” dentro da chamada Segunda Revolução Industrial, cujos progressos esse arauto ajudou a espalhar e sedimentar.

Mas essa modalidade tende a se apresentar deficitária, quando utilizada isoladamente de outros modais. O consórcio com outras alternativas, como a ferroviária e a hidroviária, é a solução ideal, buscada – e alcançada – em muitas partes do mundo. No Brasil, optamos por sucatear o modal ferroviário; já o ônibus, esse pequeno trem, tornou-se o meio de transporte popular de maior valia.

Agora consideremos nossa realidade regional. São Gonçalo, toda a região metropolitana do Rio e além, dependentes, sofrem com a precariedade do transporte público rodoviário. Anos de monopólios e má administração (afinal, o dinheiro era fácil) geraram distorções absurdas. A política dos monopólios, onde uma única empresa fica responsável por vastos territórios, permitiu o enriquecimento rápido e a concentração de muitas linhas/empresas em poucas mãos (gerando oligopólio), atingindo na veia a livre concorrência, essa medicina tão benéfica para nós, consumidores. Exemplos? A maricaense Amparo (nas linhas com direção a Niterói e Rio) domina desde o bairro do Arsenal e Jockey, passando por Rio do Ouro, Várzea das Moças etc., até Maricá, atravessando ainda boas partes do município de Niterói. Assim, de Maricá até o longínquo Arsenal, se você deseja ir até o centro de Niterói ou ao Rio, só tem uma opção. Mas, aproveitando o verão, avancemos rumo à Região dos Lagos: Para atingir Saquarema ou Araruama, por exemplo, se não desejamos realizar baldeações demoradas (via Rio Bonito), somos dependentes da empresa 1001. A tarifa é salgada. E se você mora em Maricá, e deseja ir até Araruama, paga praticamente a mesma e cara passagem de quem pega o ônibus em Niterói ou no Rio (!), pois não há ônibus saindo de Maricá para Araruama, ou ao centro de Saquarema. Por que será? Acordo entre cavalheiros (os donos das empresas citadas)? Ah, e o Bilhete Único? Nem pensar. Você encosta seu cartão no validador do 1001 e lá se vão trinta ou mais reais. E assim solidificam-se os oligopólios... (Abro um parêntesis: Maricá, municiada pelos petroroyalties e ciente do monopólio de que é vítima, estabeleceu transporte público modelo, gratuito, através do ônibus “vermelhinho”, mas seu poder só vai até o limite de suas fronteiras).



O advento de tecnologias disruptivas (aquelas que criam um novo mercado ou alteram radicalmente um já existente) como os serviços via aplicativos como Uber e 99Taxi, veio suprir (ainda que de forma tacanha) certa carência, ajudando a sacudir as empresas. Com os tempos de vacas gordas se aproximando do fim, empresários mal acostumados resolveram agir. Primeiro passo: a implantação do infame cargo de “motorista júnior”, onde o indivíduo trabalhava como profissional e era ainda obrigado a cobrar passagens (em geral em mico ônibus), mas recebia pouco mais da METADE do salário do profissional; e por fim, o golpe de mestre: a eliminação do cargo de cobrador, pondo em risco os usuários ao forçar todo motorista a cobrar e dirigir, e jogando milhares de desempregados nas estatísticas. Para isso valeram-se de sua imensa força política, capitalizada por esquemas de corrupção multifacetados, desde os macroesquemas como a “caixinha da Fetranspor”, indo do domínio sobre $indicatos até canalhices menores, que eu mesmo presenciei enquanto era rodoviário, como as “vistorias” do Detran nas garagens das empresas, onde um veículo era recolhido da linha, entrava na garagem e CINCO MINUTOS DEPOIS saia para as ruas, já “vistoriado” (!!!) e com selinho no parabrisa...

O sistema, sob fadiga, chega a seu limite. Um novo modelo de negócios deve ser implantado. Vai doer, principalmente naqueles alicerçados a gerações no conforto monopolista. A introdução de novos players, a desburocratização para a criação de novas linhas e o estabelecimento de novas empresas (hoje uma missão impossível) que as supram deve ser estimulada. O cooperativismo, como já acontece em parte do transporte alternativo de vans (serviço marginalizado e que por si só merece um outro artigo) pode chegar ao transporte por ônibus. Por que não?


A força política desses empresários segue imensa, mesmo com parte dos seus esquemas tendo sido desbaratados. Só a união da população e a pressão ininterrupta sobre nossos representantes políticos poderá trazer melhorias. 2020 é ano de eleições. Comecemos a pressionar desde já.


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Alguns livros (gratuitos) que escrevi ou organizei podem ser baixados AQUI:

Um pouco de poesia experimental? Eu experimento AQUI.

Sammis Reachers, nascido por acaso em Niterói mas gonçalense desde sempre, é poeta, escritor e editor, autor de sete livros de poesia e dois de contos, e professor de Geografia no tempo que lhe resta – ou vice-versa.


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