Urubu, por Fábio Rodrigo

Era um edifício de três andares e estava abandonado há alguns anos. Trata-se de uma escola que foi desativada devido a uma grande enchente que ocorrera. Ao lado dela, há um terreno cujo acúmulo de lixo emana um cheiro fétido ao local. No alto do edifício, a presença de uma solitária ave é alvo do meu olhar atento.

Observei-a detidamente e ela parecia não acreditar que eu estivesse olhando. Óbvio que não parei para admirá-la. Trata-se de um ser que não possui atributos suficientes para isto. É uma ave asquerosa. Que causa repugnância. É só olhar para sua cabeça e ver que se trata de animal nauseante. Não há penas. A pele enrugada é sua marca característica. Ela, em nenhum momento, me olha. Deve sentir vergonha de ter uma aparência tosca. Deve sentir vergonha de existir. As penas disformes que cobrem suas asas e o resto do corpo parecem pesadas. Talvez ela sinta o peso de ser repugnante. De tão desregradas que tais aves são, suas penas são foscas. Não foram feitas para brilhar. Seu nome: urubu.

De repente, o urubu começa a caminhar lentamente. Pra minha surpresa, outro urubu se aproxima. De onde surgiu? Meu olhar aprisionado não me permitiu ver a presença de outro. E os dois se acercam cada vez mais. Seria um encontro casual? Acho que não. Agora o contato entre eles é mais intenso. Acho que foram feitos um para o outro. Bicam-se. Demonstram total afeto entre um e outro.
Observei-os detidamente e eles pareciam não acreditar que eu estivesse olhando. Óbvio que parei para admirá-los. Trata-se de uma cena cujos atributos são suficientes para isto. Minha asquerosa repugnância de outrora me deixou nauseante. Meu olhar tosco se refez. A cena deixou-me disforme. Fiquei desregrado por ser portador de uma mente pesada e fosca que não me permitia vê-los da forma como os vi.
O contato gracioso entre um urubu e outro os faz brilhar. E eles foram feitos para brilhar.

Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor mestre em Estudos Linguísticos.

