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Tanatofobia

Por D.Freitas

Foto: Reprodução internet

Estou me recordando repentinamente de coisas marcantes na minha vida. Infelizmente, a maioria das memórias que vêm à tona não são tão boas assim. Lembro quando meus pais se separaram e só nessa situação eu soube quão grande era o arsenal de ofensas que eles poderiam usar um contra o outro. Lembro da primeira bicicleta que eu tive. Vermelha com cinza. Maior do que meu tamanho suportava, contudo, por me fazer parecer grande fazia maior também a minha coragem.


Desbravei a cidade que cresci naqueles pedais sem que minha mãe soubesse, pois sempre dizia pra eu não sair do meu bairro, pois a cidade era perigosa e era comum roubarem bicicleta até mesmo a mão armada naquela época. Ironicamente, perdi ela dentro do bairro, para ser específico, dentro de casa. Fomos viajar para casa de praia de um amigo do meu pai, passamos cerca de uma semana e ao voltar demos falta de alguns itens de casa, dentre eles a bike vermelha, e a sobra de alguns itens misteriosos, como um boné de político e um casaco laranja com roxo que fedia a cigarro mentolado. Esse cheiro vem minhas narinas só de lembrar.



Lembro também das oportunidades que perdi. As inúmeras bocas que não beijei apenas por não conseguir entender que era o momento, as "primeiras vezes" que perdi pelo mesmo motivo e até mesmo uma oportunidade de emprego fora do país, pois não estava pronto para assumir um relacionamento com quem me fez a proposta.


Lembro também das oportunidades que abracei e a maioria delas me levaram a situações cômicas, trágicas ou ambas. Como quando resolvi namorar à distância com uma menina de Goiânia e tentei chegar lá de ônibus, me perdi no caminho e por acaso, em Brasília, encontrei um amigo de infância no qual fui padrinho de batismo da filha e mantenho contato até hoje.


Lembro de flashes quase sem contexto, como a dor de perder o tampão do pé ao chutar o chão na tentativa frustrada de jogar bola. Da linha de pipa cortando o dedo com o vento constante de agosto. Da guerra de mamona às margens do rio Imboaçu. Das festas juninas da escola e do lanche na cantina lotada na hora da merenda.


Tenho poucas memórias recentes, pois talvez não tenha tido tempo o suficiente para lembrar. A nostalgia foi interrompida pelo medo. Pelo sussurro no ouvido da voz que busca sentido nessas lembranças na hora de dormir e ela diz: Humanos costumam ter esse tipo de lembrança na frequência que morrem.


Espero que não seja a hora. Não ligo de ter que acordar cedo amanhã, enfrentar um trânsito infernal e talvez discutir com o chefe no trabalho. Não me importo nem mesmo de ter que fazer hora extra para bater alguma meta ou não ter meu sabor favorito de sorvete na hora de aplacar o calor na hora do almoço. Preciso que amanhã seja mais um dia, com possibilidade de momentos marcantes, de novas chances e até mesmo flashes de coisas rotineiras.


Prego os olhos.


A voz se cala.  

      

Ponho-me a sonhar.


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Davi Freitas (D.Freitas) nasceu em São Gonçalo, cria da cultura gonçalense, desde sempre conviveu com músicos, poetas e escritores. autodidata, aprendeu violão e bateria sozinho e junto com o irmão Lucas Freitas fez algumas apresentações até ter, por motivos profissionais, que mudar de estado. Como escritor, participou, pela Editora Apologia Brasil da Antologia em Tempos Pandêmicos e inicia agora sua trajetória no mundo das crônicas e contos. 

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