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Só um golpe de Estado vai impedir a vitória eleitoral de Trump

Por Eduardo Vasco


O primeiro debate eleitoral evidenciou a milhões de cidadãos americanos que eles são governados por uma esponja. Talvez a antecipação dos debates (nas eleições anteriores o primeiro debate ocorreu somente no final de setembro) tenha ocorrido precisamente com o objetivo de testar o recebimento da (falta de) capacidade cognitiva de Joe Biden pelo grande público para que houvesse tempo de substituí-lo por outro candidato, caso necessário. Como em 2020, Biden deu um golpe interno no Partido Democrata, impedindo a concorrência e os debates para não expor sua completa incapacidade de governar.



Mas todas as vozes da grande burguesia imperialista americana agora estão clamando desesperadamente pela sua substituição.


Mais influente porta-voz do establishment, o New York Times pediu em um editorial: “para servir a seu país, o presidente Biden deve deixar a disputa”, rasgando elogios ao “presidente admirável”, sob cuja liderança “a nação prosperou e começou a abordar uma série de desafios antigos”. Porque Biden está concorrendo contra o demônio personificado. “Donald Trump se provou um perigo significativo para a democracia – uma figura errática e egoísta que não merece a confiança do público”, opinou o jornal.


Entretanto, os democratas e a grande burguesia americana não têm ninguém com a mesma popularidade de Donald Trump. A maioria das pesquisas de opinião aponta o republicano como favorito e vem crescendo o número de adeptos às ideias e políticas defendidas por ele, como o combate à imigração, ao envio de armas à Ucrânia e à “cultura woke”. Pesquisa publicada no início de janeiro pelo Washington Post e a Universidade de Maryland indicou que 36% dos americanos acham que a eleição de Biden em 2020 não foi legítima. Trump conseguiu arrecadar 53 milhões de dólares para sua campanha em 24 horas após ser condenado em maio pela justiça de Nova York e conquistou 3 milhões de seguidores quase imediatamente após abrir uma conta no Tik Tok. É um fenômeno ainda mais arrasador do que em 2016.



Sabendo, no entanto, que não é a vontade do povo, mas sim as maquinações dos poderosos interesses dentro das instituições do Estado que realmente decidem o próximo presidente dos Estados Unidos, é preciso analisar as estruturas da burguesia americana e de seus tentáculos e medir a força de seus setores que neste momento estão em clara contradição. É a correlação de forças dentro do sistema político e econômico dos EUA que irá decidir qual camada das classes dominantes, a superior ou a inferior, terá o seu representante na Casa Branca em 2025.


O poder dos republicanos nos estados


Levando em conta o maior ou menor controle da máquina política estatal (executivo, legislativo e histórico nas últimas três eleições presidenciais), os republicanos deverão vencer em todos os “red states” e em outros 17 estados, incluindo o “swing state” da Geórgia. Terão garantidos, assim, 255 delegados para o colégio eleitoral, na soma dos delegados que cada um desses estados têm direito. Já os democratas tendem a vencer em todos os “blue states” e em mais 10 estados, incluindo os “swing states” de Nevada e Michigan e os estados de Minnesota e Maine, onde, ao contrário de todos os outros, o partido que obtêm a maioria dos votos populares no estado não elege automaticamente todos os delegados, mas têm regras próprias – nossa conta leva em consideração que os democratas controlam a máquina política nesses dois estados, portanto têm condições de manejar o resultado das eleições. Os democratas obterão, assim, 243 delegados para o colégio eleitoral.



Para que seu candidato seja o vencedor das eleições presidenciais, um partido deve ter ao menos 270 delegados no colégio eleitoral. Daí a importância essencial dos “swing states” onde o controle político não é definido (Pensilvânia, Wisconsin e Arizona). Conquistando aqueles 255 delegados, para se eleger bastará para Trump vencer em apenas um deles (a Pensilvânia), ou, se perder na Pensilvânia, se vencer nos outros dois. Já o candidato democrata será obrigado a vencer na Pensilvânia e em mais um dos outros dois “swing states” chave, se obtiver apenas 243 delegados.


Considerando, assim, o controle da máquina política nos estados, somado à tendência de maior preferência dos eleitores nas pesquisas de intenção de voto, Donald Trump tem maiores chances de se eleger presidente do que o candidato democrata.


O Deep State contra Trump


“Com uma maioria favorável ao MAGA [o movimento trumpista “Make America Great Again”] na Suprema Corte, dezenas de aliados nos tribunais federais inferiores, bem como no Congresso, nas legislaturas estaduais e nas mansões dos governadores, e uma base considerável, extremamente leal e fortemente armada de apoiadores políticos, Trump terá considerável margem de manobra e muitos apoiadores”, diz um artigo da Foreign Affairs publicado em 10 de junho, assinado por Jon D. Michaels.



O autor teme que o trumpismo esteja construindo um Deep State próprio, o que poderia ser consolidado com a volta de Trump ao governo. Os analistas tradicionais da intelectualidade ocidental costumam caracterizar os países que não pertencem à América do Norte e à Europa Ocidental como regimes extremamente burocráticos, corruptos e antidemocráticos, onde reinam as conspirações internas como forma de luta pelo poder. Pois na verdade essa caracterização cabe perfeitamente aos Estados Unidos das últimas décadas. Os EUA têm uma das maiores e certamente a mais poderosa burocracia estatal do mundo. Esqueçam as supostas preocupações com os LGBT ou os negros. Quem domina o poder nos EUA não liga para os direitos ou a falta de direitos dessas pessoas. Eles se importam com coisas mais fundamentais, como manter o estrito controle do regime político.


E Trump é uma perigosa ameaça a esse controle. Ele tende a concentrar os poderes na presidência, com um poder maior de intervenção e controle sobre as agências de inteligência e os órgãos de defesa nacional. Aprendeu com os erros de seu primeiro mandato e agora irá colocar apenas pessoas de total confiança nos postos-chave – e a tendência é que ele troque a maior parte das cabeças das principais áreas do governo. Um outro artigo da Foreign Affairs, publicado por Risa Brooks em 20 de março, mostra preocupação sobre a crescente politização das forças armadas americanas, alimentada tanto pela propaganda trumpista quanto pelos vetos de legisladores republicanos à promoção de oficiais supostamente liberais nas forças armadas. Então os chefes do Pentágono também detestam a ideia da volta de Trump ao governo. E os oficiais do Pentágono sempre são selecionados entre os quadros das empresas armamentistas, que estão de cabelos em pé com a possibilidade de que os Estados Unidos retirem suas bases militares e suas tropas da Ásia e da Europa, pois seu lucro vem justamente da venda de material ao governo dos EUA e de seus países-clientes. Os outros órgãos do Deep State, como a CIA e o Conselho de Segurança Nacional, também são alimentados com quadros da indústria militar, assim como do Vale do Silício e de Wall Street, que reúnem os grandes monopólios tecnológicos e financeiros dos Estados Unidos e do mundo. Trump já declarou também que poderia abrir os arquivos secretos sobre o assassinato de John Kennedy, o que revelaria mais um pouco sobre a podridão da CIA e do Deep State, prováveis responsáveis por aquele magnicídio.



Trump pode fazer uma reconfiguração inédita no Deep State, o verdadeiro governo dos EUA. Está mexendo com os piores instintos do imperialismo americano.


Quem são os homens de Trump?


O âmago do conflito entre Trump e o aparato que comanda os EUA são as contradições de classe. Neste caso, as contradições dos setores marginalizados da burguesia, da classe média e do proletariado, com a alta burguesia imperialista.


Jeffrey Sonnenfeld, um proeminente acadêmico da alta sociedade americana que trabalha diariamente com os maiores capitalistas dos EUA, tem enfatizado essa contradição em artigos para a imprensa. No New York Times, ele destacou que, até agora, nenhum dos 100 maiores bilionários na lista da Fortune doou um mísero centavo para a campanha presidencial de Trump – assim como nenhum CEO doou em 2016 e apenas dois dos top 100 o fizeram em 2020. Além disso, muitos empresários que financiaram Trump em 2016 abandonaram o barco ao longo de seu governo.


Alguns poucos financistas têm apoiado o líder republicano, mas, “na realidade, esses financistas representam um pequeno segmento da comunidade de negócios”, ressaltou Sonnenfeld na Time.


Está claro por essas informações e pela campanha nos principais meios de comunicação que a alta burguesia americana não apoia Trump. Mas quem o apoia?


Basta dar uma olhada para as posições políticas de Trump. Ele é protecionista, isolacionista e anti-imigrantes. Ataca a globalização e promete cuidar da situação interna dos Estados Unidos e diminuir a intervenção nos assuntos de outros países, o que significaria um duro golpe sobre o regime imperialista global, ainda mais em uma época de insurreições contra esse regime no mundo todo.



Obstaculizar a entrada dos imigrantes elevaria a taxa salarial dos trabalhadores americanos, pois os imigrantes que entram nos EUA aceitam receber salários baixíssimos, reduzindo a média salarial dos trabalhadores americanos. Por isso os grandes empresários atacam a pauta migratória de Trump, a fim de manter os baixos salários com a competição dos imigrantes. Muitos trabalhadores apoiam Trump porque querem, naturalmente, salários melhores.


Há mesmo uma ala esquerdista dentro do trumpismo, como existia no fascismo italiano e no nazismo alemão. Isso se dá justamente pela influência de trabalhadores desorganizados e com pouca consciência política que têm sofrido intensamente com décadas de neoliberalismo, desindustrialização e governos democratas e republicanos tradicionais. Em ambos os artigos, para o NYT e para a Time, Sonnenfeld opina que a política econômica de Trump é muito mais parecida com a da esquerda socialista do que com as posições tradicionais do Partido Republicano, “e são frequentemente mais progressistas que as da Administração Biden”.


As corporações são muito impopulares entre toda a população americana e mesmo entre membros dos dois partidos, por isso até Biden tem de criticá-las a adotar medidas que as desagradam. Mesmo setores poderosos dentro dos EUA foram afetados pelo domínio dos monopólios sobre a economia, pois estes suprimiram a concorrência de empresários que ficaram à margem do poder. De fato, se uma minoria tão reduzida governa, inclusive setores ricos da sociedade terminam prejudicados. E eles não gostaram de ter sua vida e seus negócios espionados pela NSA ou de perder seus clientes e quase falir devido à concorrência de produtores estrangeiros, principalmente chineses.



Nos últimos anos os EUA se tornaram dependentes da China em diversas áreas, como eletrônicos, vídeo games, maquinário, têxteis, produtos químicos, metais etc. Isto é, principalmente com relação aos produtos manufaturados. As empresas de Elon Musk, um notório apoiador de Trump, são competidoras das companhias chinesas de fornecimento de internet e carros elétricos. Todo esse vasto ramo empresarial, que abarca multidões de empresas e empresários, concorda quando Trump diz que os EUA precisam se proteger da competição chinesa e de outros países. Tanto é assim que exerceram grande pressão para que a administração Biden seja a mais anti-China da história ao impor altas tarifas e sanções, controle e banimento de investimentos e estar a ponto de proibir o Tik Tok. Na esfera geopolítica, a administração Biden talvez seja a mais agressiva contra  China, ameaçada de uma guerra contra os EUA por Taiwan. Muitos entendem que o principal inimigo geopolítico dos EUA não é o terrorismo, o Irã ou a Rússia, mas sim a China. Sua penetração no mercado interno dos EUA gera acusações de espionagem tanto industrial e tecnológica quanto política e o fortalecimento econômico de uma potência desafiadora da hegemonia americana.


O protecionismo e o isolacionismo de Trump foram vistos em seu primeiro mandato, quando ele retirou os EUA da Parceria Trans-Pacífico, dos Acordos Climáticos de Paris, da OMS e do acordo nuclear com o Irã, todos criados graças ao establishment imperialista americano. Trump é representante dos setores da burguesia que eram dominantes antes de os EUA se tornarem uma potência imperialista hegemônica, quando a maioria dos negócios da burguesia se resumia ao próprio território estadunidense e ao continente americano. Quando o desenvolvimento capitalista levou ao surgimento e ao monopólio da indústria e dos bancos por poucos conglomerados, aqueles setores perderam espaço na economia e na política. O capital financeiro americano se disseminou pelo mundo e exigiu a entrada dos EUA na I e na II Guerra Mundiais exatamente para que o governo protegesse os seus negócios. A ala dos políticos que representava esses interesses se autointitulou “internacionalista”, um eufemismo hipócrita para imperialista. A burguesia marginalizada pelo capital financeiro cuja área de atuação era muito mais limitada não estava interessada em entrar em guerras tão devastadoras para defender esses monopólios que a subjugavam. Por isso criou o movimento “America First”, símbolo do isolacionismo apregoado pelos políticos que representavam esse setor marginalizado da burguesia.



Durante muito tempo, até a era neoliberal, tanto o Partido Democrata quanto o Partido Republicano tinham membros ligados a esse setor. Mas isso não significa que Trump tenha apenas retomado uma política tradicional dos isolacionistas. Esta é uma nova era, influenciada pela experiência neoliberal que devastou ainda mais os negócios da burguesia marginalizada e também a qualidade de vida das classes média e trabalhadora. Ao mesmo tempo, levou a uma crise sem precedentes da própria alta burguesia imperialista. Esse fenômeno é o que os intelectuais do regime americano chamam de “crise da democracia”. E não é Trump que está fazendo essa democracia erodir. Essa “democracia” nada mais é do que a ditadura estável dos monopólios imperialistas, cuja estabilidade já não existe mais por sua própria natureza. A contribuição de Trump para isso é liderar um movimento de insurreição da grande burguesia marginalizada, da pequena burguesia urbana e rural empobrecida e do proletariado desorganizado. Qualquer semelhança com a Alemanha e a Itália da década de 1920 não é mera coincidência. Durante mais de 100 anos a política norte-americana permaneceu uma ditadura bipartidária em que os dois partidos eram gêmeos siameses e sua política quase idêntica garantiu a estabilidade do regime. Donald Trump chegou para abalar essa estabilidade, subverter o Partido Republicano, polarizar o país e estremecer as estruturas do regime político. Por isso é tão odiado pelas elites política e econômica.


Trump também tem o apoio de setores poderosos da burguesia europeia que sofrem com a competição desleal dos monopólios americanos que colonizaram a Europa a partir do Plano Marshall. A exigência de Trump para que a Europa pague uma cota maior de financiamento da OTAN favorece a redução da dependência desses países diante dos EUA, o que significa a diminuição da submissão política. Certamente vários setores da burguesia europeia veem essa possibilidade como uma pequena libertação do jugo americano. Por outro lado, a alta burguesia imperialista americana ataca sistematicamente a possibilidade de redução da participação americana na OTAN e em outros órgãos internacionais, porque sabe que a participação americana não é igual a dos outros países, mas sim uma participação dominante, cuja força econômica compra os funcionários e os chefes dessas organizações para que atendam aos interesses dos Estados Unidos.



O governo Netanyahu também é um claro patrocinador de Trump, com seus tentáculos no poderoso lobby sionista americano. Outros governos de direita de tipo nacionalista burguês, em várias partes do mundo, mesmo que não tenham condições de influenciar de maneira decisiva o resultado das eleições americanas, dão um suporte maior ou menor à candidatura do republicano, porque veem nela uma possibilidade de contenção do domínio dos monopólios imperialistas sobre a sua economia e o favorecimento da burguesia local, asfixiada pelas companhias americanas.


Uma verdadeira revolução política no regime americano?


Em seu primeiro mandato, Trump não conseguiu levar sua política até as últimas consequências. Foi sabotado dentro do próprio partido e governo. Agora, ele tomou conta do Partido Republicano e tende a integrar apenas pessoas de alta confiança no núcleo duro do governo. Pessoas que atendam aos mesmos interesses que ele. Trump pode reestruturar por completo a burocracia estatal dos Estados Unidos. Isso seria como uma revolução política no regime, ou seja, substituir os dirigentes e o sistema político sem mexer drasticamente nas bases da economia capitalista-monopolista.


A principal semelhança de Trump com o fascismo não é a sua xenofobia, seu machismo, ou seu racismo, mas sim a sua base social. A eleição de Trump poderia ser a tomada do poder pelas classes médias e pela baixa e média burguesia, a base social tradicional do fascismo em sua fase embrionária, isto é, antes da sua chegada ao poder. As experiências fascistas do século passado, como os regimes de Hitler e Mussolini, foram domesticadas e controladas pela alta burguesia imperialista quando era inevitável que tomassem o poder. Ou seja, os grandes monopólios abraçaram o fascismo naquela época. Eles não se incomodariam em fazer isso novamente por algum princípio ideológico ou ético, como o fazem em vários lugares do mundo, mas nada indica que estejam dispostos a se aliar a Donald Trump. O mais provável é que, se tudo correr como se anuncia, os EUA se afoguem em um caos jamais visto nos últimos 150 anos e cheguem à beira da guerra civil. Seria um regime absolutamente instável e insustentável, o que poderia acelerar exponencialmente o declínio do império americano.


A grande burguesia financeira e imperialista dos Estados Unidos não pode permitir uma vitória de Trump de modo algum. Pelo contrário, ela precisa retomar o controle dos EUA sobre o mundo todo, o que vai de encontro aos interesses econômicos do MAGA. Mas vai também de encontro à própria realidade objetiva: a crise desse controle e do regime imperialista liderado pelos Estados Unidos é irreversível. Para impedir uma vitória de Trump, levando em conta todo o seu apoio popular, o controle da burocracia estatal pelos republicanos em muitos estados e o respaldo que tem Trump entre setores econômicos poderosos, embora marginalizados, a grande burguesia imperialista terá de executar um golpe de Estado eleitoral. Mas ela não parece ter muita margem de manobra. Por isso não descarto, por exemplo, uma tentativa de assassinato. Se não houver um golpe, Trump será eleito.


E se Trump for eleito, é melhor se pensar em outro golpe de Estado. Caso contrário, se Trump conseguir aparelhar totalmente o Estado como seus opositores temem, os grandes capitalistas terão de fazer como fizeram com Hitler e Mussolini: domesticar a fera, comprando membros do trumpismo, extirpando sua ala mais radical e inserindo homens de confiança do imperialismo para fazer um pacto e estabilizar minimamente a situação. Mas não será nada fácil executar esse plano. É bem provável que o caos se instale. O apodrecimento violento e destruidor não é nada mais senão a tendência natural de um regime imperialista em decadência como o americano.


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Eduardo Vasco é jornalista.


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