São Gonçalo ausente, por Mário Lima Jr.
São Gonçalo está desaparecendo. A intimidade que podia ser construída entre pessoas cruzando a mesma esquina no horário do almoço deu lugar ao medo de ser assaltado, alvejado ou morto. Quando uma nova barricada do tráfico de drogas é erguida, seja em Neves ou em Santa Isabel, um pedaço da alma do povo se destrói sob os montes de entulho, ferro e concreto desses verdadeiros bloqueios à cidadania. O desespero por paz no município é tão grande, e nele cabe tanta exploração política, que o aumento do efetivo policial em míseros 8% causou comoção, inclusive com a presença do governador do Estado.
Depois da capital, São Gonçalo é a cidade mais suja de sangue do Rio de Janeiro. De acordo com o laboratório de dados Fogo Cruzado, em 2019 o município sofreu com 800 tiroteios, 243 assassinatos por armas de fogo e 250 pessoas feridas. São incontáveis os roubos e confrontos armados não denunciados através da plataforma do Fogo Cruzado, principalmente nas inúmeras comunidades amedrontadas pela disputa entre facções criminosas, onde o Estado não passa de espectador da tragédia.
Distritos inteiros já foram dominados por bandidos. Na tentativa de impedir que o crime assuma também o controle dos bairros de maior importância, Centro, Zé Garoto e Alcântara, respectivamente onde estão localizados o Poder Executivo, o Legislativo e o principal complexo comercial, o Governo do Estado trouxe viaturas, motos e 80 policiais para reforçar o patrulhamento nessas regiões. Aqueles que vivem da exploração do voto do eleitor amaram a decisão. O povo também se empolgou com aquilo que não passa de uma medida de emergência insuficiente. Para a segurança pública o aumento do efetivo policial é menos importante do que o combate aos baixos índices de desenvolvimento social, dizia o ex-secretário de segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. Não à toa as Unidades de Polícia Pacificadora fracassaram.
Alcântara anda tão perigoso e poluído que a presença do governador Wilson Wizel no bairro nesta sexta-feira, 24 de janeiro, para inauguração do programa “Segurança Presente” exigiu duas medidas que saltaram aos olhos: a retirada das faixas ilegais penduradas no viaduto que corta o bairro e a distribuição de atiradores de elite pelo mesmo viaduto, praticamente no lugar das faixas, para proteger as autoridades contra atentados.
Inclusive políticos sem tradição eleitoral na cidade tentaram assumir a paternidade do programa implantado pelo Governo Witzel (com a nossa grana, nada por bondade, vale lembrar). Em uníssono, para fingir uma iniciativa municipal eles trocaram o nome oficial de “Segurança Presente” para “São Gonçalo Presente” ao divulgar a inauguração da 21ª base do projeto, em Alcântara. O prefeito José Luiz Nanci não ficou de fora do interesse em absover os frutos eleitorais e usou os canais geridos pelo governo do município, como o site da Prefeitura, para insinuar que foi coautor do projeto com Witzel. O Plano Municipal de Segurança Pública, como as ruas provam, é nulo.
No mesmo discurso de inauguração do “Segurança Presente”, Wilson Witzel prometeu que a Fazenda Colubandê voltará a ser sede da polícia ambiental e que São Gonçalo vai ter barca ou metrô, questão a ser definida em 2020. É ano eleitoral, o engodo é sempre o mesmo e São Gonçalo fica cada vez mais distante.
Mário Lima Jr. é escritor.