Sorte grande - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Denancir era apaixonado por Elazir que não lhe dava a menor confiança, mas fazia jeitos e trejeitos, dava olhadas instigantes e se insinuava. Quando Denancir se aproximava o rejeitava como a quem rejeita, por pura maldade, um cão que só lhe quer fazer carinho. Denancir muitas vezes pensou em tirar a própria vida, mas cortar na própria pele requer coragem, muita coragem, mais fácil tirar a vida daquela ingrata a quem só queria amar e de quem só recebia desprezo.
Denancir tinha uma filha, de um relacionamento relâmpago com Dôra, que todos diziam não ser dele e que ele havia caído numa esparrela. A menina, apesar de não ter nenhum traço dele, nenhuma semelhança física ou gestos normais de descendentes, era tratada por ele como uma princesa. Tudo o que podia fazer por aquela menina ele fazia. Era só ela pensar num brinquedo novo e ele se esmerava em trabalho só para satisfazer a criança. Denancir é um homem do bem.
A extensa Rua Visconde de Itaúna, no bairro Paraíso, aqui em São Gonçalo do Amarantes, no Rio de Janeiro, é um livro cheinho de grandes histórias para contar, de amores, de superações, de tristes acontecimentos, de festas, de tantas lembranças que dá até vontade de chorar. Ali chorava pelo amor de Denancir a cabocla Angela com aqueles lindos cabelos negros até a cintura e um sorriso digno de uma “Iracema”. Se José de Alencar a tivesse visto teria escrito “Angela”. Mas Denancir só tinha olhos para Elazir e jurou não morrer sem ter, pelo menos, uma noite de amor com ela. Elazir por sua vez era interesseira, só saía com os rapazes que tinham carro e dinheiro, mas dizia que não namoraria Denancir nem se ele fosse milionário.
Num domingo à noite, a chuva castigava a cidade, da Travessa Jaú, Rua Nova Aurora e Rua Fontes descia água que fazia a Rua Visconde de Itaúna virar um grande rio. Na Rua Idelfonso Praça um valão sem o devido tratamento fazia das suas. Desde que me entendo por gente o povo daquela rua precisa comprar móveis novos em todos os verãos, pois as casas são invadidas pelas águas fétidas.
Os homens da política, apesar de terem negócios locais cuidam de suas propriedades mantendo-as no alto, longe da possibilidade de prejuízo e passam a vida prometendo que vão resolver o problema que vai se arrastando através dos tempos. O povo vai acreditando, eles vão se reelegendo, as casas vão enchendo e Denancir se contorcendo na cama, nervoso. Seu cartão da Loteca estava com doze pontos e o último jogo estava terminando. Flamengo e Americano iam empatando em 0x0, no último minuto de jogo o Americano faz um gol, Denancir entra embaixo da cama, puxa os lençóis, a colcha e o travesseiro, se enrola todo, morde o couro dos sapatos que esperavam ali embaixo o dia amanhecer para sofrerem na podridão da lama em que a rua se encontrava e assim fica até o amanhecer, pensando no que fazer com a bolada que, se poucos fossem os acertadores, receberia.
Denancir estava milionário. Procurou Elazir, disse estar rico e propôs casamento, os olhos de Elazir faiscaram como os céus sobre a Praia da Luz nestes dias de tempestade. Ela aceitou, mas impôs uma condição: “Casamento só em comunhão de bens, tudo o que é de um é de outro também.”Denancir concordou com tudo sem nada reclamar, só pediu para ser uma cerimônia simples, para não levantar suspeitas, o que ela concordou e assim foi feito. A lua de mel foi numa suíte do Copacabana Palace Hotel seguida de um cruzeiro marítimo.
Os dias e noites foram maravilhosos. Elazir cobria Denancir de mimos durante todo o dia e as noites eram mais calientes do que qualquer filme que ele alugara na locadora onde Rafael Massoto genrenciava ali ao lado do Bar do Wilson, paredes e meia ao Clube Tamoio. Toda a vizinhança e familiares pensando que eles estavam passeando pela casa de parentes no interior do Estado e eles se deliciando em águas internacionais.
Assim que o táxi parou na porta do prédio de Armando português, onde Denancir tinha alugado um apartamento para morarem, antes mesmo de o motorista tirar as malas do carro Elazir “virou o santo”: _Quero a separação hoje! Você é um marido de merda! Nem uma casa num bairro decente comprou! Não vou morar nesse muquifo! Nessa cidade de gente pobre! Vou embora hoje! Espero você tirar suas malas, as minhas o táxi leva para a casa de mamãe! Amanhã meu advogado vai te procurar para preparar a papelada do divórcio! É metá metá, se é que me entendes!
O taxista ora olhava para o boquiaberto Denancir, ora olhava para a agora possessa Elazir, e, lá na entrada, no portão principal do prédio uma moça que olhava assustada aquela cena chorava e pedia a atenção de Denancir que atordoado com o que acabara de ouvir foi ver o que a moça queria, e ela, soluçando e quase num sussurro falou: _ Seu Denancir, eu trabalho na lotérica, na hora de fazer seu jogo, eu vi que o senhor apostou no Americano, mas eu sou Flamengo e eu sei que o senhor é Vasco, jamais apostaria no Flamengo, só que eu estava com fé que o Flamengo ia ganhar e mudei seu jogo. O Americano ganhou, mas o senhor perdeu, me perdoa seu Denancir! Me perdoa!
Denancir perdeu a visão por alguns segundos, havia pagado todas as despesas no cartão de crédito, iria ficar anos pagando aquela dívida, mas a vingança tinha um sabor tão doce, que ver Elazir petrificada ao ouvir o que aquela moça falou não tinha preço. Elazir vociferava: _Desgraçada! Filha de uma puta! Você arruinou a minha vida! Eu vou matar você! Eu vou te mataaaaaaaar! E caiu para trás desmaiada sendo necessário chamar uma ambulância para levá-la ao pronto socorro.
O irmão de Elazir, um “puliça” que morava ali na Rua Ipiranga, sem saber do acontecido, mas já sabendo da esperteza da imã, veio cobrar a parte dela na “fortuna” de Denancir, que calmo e sereno tirou do bolso seis reais e falou para a “otoridade”: _Aí irmão! Fiz doze pontos, ganhei doze reais, leva seis e dá a ela para pagar o advogado.
O povo que já se aglomerava em volta gargalhava e o cara saiu de fininho. O taxista vendo a situação, mas também com raiva porque Denancir tinha apostado contra o seu Flamengo, mas estava com a vida arruinada, retirou as malas do carro, bateu nas costas de Denancir e falou: _Precisa pagar a corrida não cidadão. E gritou: _ Aqui é Flamengo porraaaaaa!!!!! O povo em volta parecida estar no maracanã e fazia coro: _ÊEEEEEEEEEEEEhhhhhhhhhh!!!!
Lá, no terceiro andar do prédio, na cobertura, Armando balançava a bandeira do Vasco enquanto na vitrola o hino do campeão daquele ano tocava: “_Vamos todos cantar de coração, a cruz de malta é o meu pendão...”
Na segunda-feira, o comércio da metade da Rua Visconde de Itaúna não abre, numa casa, perto da Faculdade Paraíso Denancir está numa cadeira de balanço brincando com a neta, na rua passa Elazir que apesar da idade ainda conserva uma bunda grande, dura e vistosa.
Denancir olha de rabo de olho, vira o corpo do neto para a rua e pergunta: _Quem é a coisa mais linda de vovô? A criança ri. Ângela, que há mais de trinta anos é a primeira dama do coração de Denancir olha para trás, olha para Elazir e grita: _ Piranhaaaaaaaaaaaaaa!!!!!! Elazir olha para ela com deboche, e dá um sorriso cínico, piscando os dois olhos de vez e jogando a cabeça para trás num cacoete antigo. O céu começa a escurecer em mais uma tarde de domingo de verão na Rua Visconde de Itaúna, as crianças recolhem suas pipas à medida em que o vento vai ficando mais forte, os moradores começam a por seus móveis em lugares mais altos, Denancir se encolhe na cama, é dia de Flamengo x Vasco, ele está com doze pontos, são quarenta e quatro minutos do segundo tempo, fora os acréscimos, xiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!!!!!!!
Obs: Quem vai ganhar o jogo eu não sei, mas se cair temporal ninguém dorme e vai ser ruim para sair de casa e ir trabalhar amanhã...
Que merda!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.