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Foto do escritorJornal Daki

Silvério Dondé - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS

Reprodução Internet
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Silvério Dondé, respeitado pastor da Igreja Me Dá Tua Alma Que Eu Entrego Para Deus é um pilantra da pior espécie. Cinco casamentos desfeitos, cada um com uma penca de filhos, pensão alimentícia por pagar e só não foi preso ainda porque o homem realmente é um artista. Só não tem atestado de óbito, o resto das doenças ele tem comprovante e receita.


Recebe pensão do INSS dos pais falecidos alegando ser incapaz intelectual, recebe bolsas e auxílios de toda sorte. Silvério Dondé chora nos cultos emocionando os fiéis falando sobre o amor do criador e do seu amado filho para conosco e chorando, clama ao senhor:


_Senhor! Eu preciso salvar essas almas indefesas! Eu preciso tirá-las da ignorância meu Deus! Eles precisam saber que o caminho da salvação custa caro! Custa dinheiro! Como eu posso ir às ruas, a hospitais e penitenciárias com o carro sem gasolina? Com roupas rotas e aparência desleixada? Toque o coração do seu povo meu Deus!


Silvério chorava e o povo colaborava. Ao final dos cultos enchia a sacola de dinheiro e sumia, só retornando no outro final de semana. A desculpa era sempre a mesma, sempre em busca de almas perdidas.



Tudo corria as mil maravilhas e num domingo pela manhã, uma nova fiel se sentou na primeira fila aos prantos. Silvério Dondé sentiu o coração bater cada vez mais forte. Aquela criatura só podia estar chorando por ter sido abandonada por um salafrário qualquer. Como uma ave de rapina veio sem fazer barulho, sentou-se ao lado da bela mulher, ofertou-lhe um lenço e deitou falação:


_Minha filha, enquanto eu orava meu peito se encheu da presença do Espírito Santo e Deus falou comigo. Disse que iria pôr na sua vida um homem de caráter, de moral, um homem que vai cuidar de você até os últimos dias de sua vida, te amando e respeitando como falam os mandamentos. Eu perguntei para ele se este homem estava presente, que ele me apontasse este homem que seria um presente dele para você. Sabe o que ele me respondeu? Ele disse: "Eu sou o senhor teu Deus e te ordeno fazer esta mulher feliz!"


Neste momento Silvério Dondé cai de joelhos, chorando lágrimas que dariam para lavar todo o templo e grita olhando para o teto da igreja:


_Eu aceito senhor! Farei tua vontade, pois sou teu humilde e obediente servo!


A mulher chora mais alto e com muita emoção. Os dois se abraçam e Silvério Dondé a beija carinhosamente e aquela mente, cheia de maldade, alinhava o golpe final:


_Vamos para minha casa, farei para você uma oração especial e tirarei toda amargura do seu coração. Qual é o nome do desalmado que te abandonou?


A mulher responde:


_ Na verdade ele morreu, ele me deixou porque morreu e eu queria morrer também, deixar tudo para trás e segui-lo pela eternidade, mas Deus colocou o senhor no meu caminho para tomar conta de mim e me ajudar a ajeitar as coisas que o falecido deixou.


Silvério Dondé estava cada vez mais apaixonado e via ali uma grande oportunidade de arranjar um bom dinheiro e já entrou de sola no assunto:


_Claro que vou te ajudar, oh Luz de Salomão! Arca dos Mistérios! Música tocada pelos anjos do Senhor! Mas, me diga, o que ele deixou?


Cilene, este é o nome da moça, abaixou a cabeça e entre soluços, lágrimas e voz embargada, quase num sussurro respondeu:


_ Oito meses de alugueis atrasados, cento e vinte mil em dívida com um agiota que já foi lá em casa e levou o carro, a moto e a televisão, ainda avisou que voltará para levar a geladeira e o fogão. O colégio das crianças, ele não pagava fazia um ano, a companhia de energia desligou a luz e o cartão de crédito está bloqueado, com um débito de quase cinquenta mil. Ainda bem que encontrei o senhor, não saberia o que fazer sozinha neste mundo.


Ela abraçou o atordoado pastor, que não tinha palavras naquele momento. Mas a mente do pilantra não para de trabalhar, levou a mulher para sua casa, mostrou tudo o que ele tinha, ostentou para que ela visse que ele tinha posses e a podia bancar. Depois de alguns dias de prazer a abandonaria, como já fez com várias fiéis por este mundo afora.


A noite foi a melhor de sua vida, como quem jamais provara fruta melhor, se lambuzou no néctar do amor e adormeceu feliz, de conchinha, com aquele mulherão. Quando acordou o sol já ia alto. Espreguiçou-se, sem pressa, foi até a janela, respirou fundo guardando aquele momento feliz para sempre. Nem notou que seu carro não estava na garagem.


Quando olhou em volta viu as gavetas reviradas, o cofre aberto e vazio, sem uma moeda para brincar de cara e coroa, parecia rir do infeliz. Joias e quadros caros que enfeitavam as paredes, tinham desaparecido. Até os sapatos de cromo alemão novinhos, que estavam na caixa ainda, Cilene levou.


Silvério Dondé ajoelhou-se, ergueu as mãos para o céu e bradou:


_ Meu Deus! Por que me abandonaste?”


Ele sentiu o golpe, mas nada que o derrubasse por mais de um dia ou dois. Silvério Dondé está na televisão pedindo seu voto. Pela família, contra o aborto, pela moral e bons costumes, contra a ideologia de gênero, contra a corrupção, e, é claro, pedido um dinheirinho para ajudar na campanha e salvar almas. Talvez até a sua alma caro (a) leitor (a). Não esqueça:


Mostre sua fé! Vote Silvério Dondè!

 

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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.





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