Retorno
Por D.Freitas
Nunca pensei que um dia conseguiria nutrir a saudade, pois desde criança nunca fui apegado a coisas, nem lugares e nem pessoas. Não me importei quando precisei mudar de escola por conta da crise financeira familiar, deixando todo ciclo de amigos riquinhos para trás e fazendo novos, não tão abastados. Não me importei nem mesmo quando abri mão de todos os meus brinquedos e lembranças de infância em uma doação para outras crianças que certamente fariam melhor uso do que eu, pois eu já não me importava com isso. Não entendia porquê, mas não me importava. Meu pai, por sua vez, chorou pela primeira e única vez na minha frente. Talvez por entender que aquilo marcava o fim de um ciclo da minha vida e o princípio de um novo.
Onde normalmente as crianças começam a sair, conhecer alguém para se relacionar e desenvolver laços afetivos, namoros e casamentos. Contudo, eu não fui esse tipo de jovem, não saí e nem namorei muito. Fiz ambos apenas uma vez e de forma intensa. Casei com a primeira menina que saí e quando resolvemos nos mudar para nossa casa, mudamos para outro estado. Demorei um tempo até ter noção do que isso significava para as pessoas que me cercavam. Seis anos para ser exato. O sentimento de saudade me arrebatou apenas no momento que retornei.
Finalmente em casa.
Por sorte tive esse aperto no peito tardio por um curto período de tempo, apenas do aeroporto até o túnel de São Francisco, onde um amigo ficou de me mostrar uma arte que expôs recentemente.
Estou num túnel recentemente reaberto. Passou boa parte dos anos que morei fora interditado. O motorista fala sobre o caos e o transtorno causado pela falta daquele acesso. Minha esposa conversa com o homem enquanto eu procuro meu amigo com os olhos. Peço pro motorista ir um pouco mais devagar, pois procuro alguém. O homem me olha suspeitando obviamente da intenção que eu poderia ter. Afinal, quem marca para encontrar alguém em um túnel?
Sorrio levemente sem graça após perceber o quão idiota soou essa ideia ao ser falada em voz alta. Constrangido encosto a cabeça no banco e deixo-a pender para o lado. Ouço ao longe minha esposa tentar explicar a minha péssima ideia de ponto de encontro enquanto pouso meus olhos nas artes que adornam o túnel. Além da reforma estrutural, foi feita também uma espécie de intervenção artística. Colorida. Vibrante. Vívida. Tão vívida que jurei que os olhos de uma índia acompanhavam o carro assim que o motorista resolveu reduzir um pouco a velocidade para me ajudar.
Ela trazia um pouco mais do que só cores, um pouco mais do que só o rosto, um pouco mais do que a expressão. Ela trazia uma nostalgia perigosa. Trazia aquele aperto no peito que deveria ter acabado quando pisei no aeroporto do Rio de Janeiro. Trazia a certeza de que não sou mais imune à saudade.
Observo atentamente a pintura enquanto nos afastamos, encontro uma assinatura escondida nas brumas desenhadas na base do rosto. Reconheço o pseudônimo do amigo que iria me mostrar a nova arte dele que havia acabado de ser exposta. Entendo finalmente que não necessariamente precisava encontrá-lo para isso.
Deixo escapar um riso levemente sonoro.
Resolvo não tentar explicar, finjo que recebi uma mensagem no celular desmarcando o encontro. Aviso para o motorista seguir o caminho normalmente e agradeço pela gentileza.
Durante o caminho, penso algumas vezes em falar para minha esposa sentada ao meu lado, o que me aperta o peito. Ao saltar do carro, sei que não preciso nem pensar em dizer. Ela sorri condescendente ao olhar aos meus olhos.
Sinto que ela sabe.
Ela sente o que eu sinto.
Finalmente em casa e sentimos que não pertencemos mais a ela.
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Davi Freitas (D.Freitas) nasceu em São Gonçalo, cria da cultura gonçalense, desde sempre conviveu com músicos, poetas e escritores. autodidata, aprendeu violão e bateria sozinho e junto com o irmão Lucas Freitas fez algumas apresentações até ter, por motivos profissionais, que mudar de estado. Como escritor, participou, pela Editora Apologia Brasil da Antologia em Tempos Pandêmicos e inicia agora sua trajetória no mundo das crônicas e contos.