top of page

Por detrás da cortina

São Gonçalo de Afetos


Por Paulinho Freitas 

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Quando criança, arranjamos cada apelido pros nossos amigos que nem sabemos de onde tiramos e até mesmo depois de adultos fica difícil saber o nome da pessoa que você chamou por apelido a vida toda. 


Vou falar de Vietnã. Apelido dado a Artur Pedro por seu mal humor crônico. Ele nunca concordava com as brincadeiras que fazíamos uns com os outros, estava sempre de cara amarrada, sisudo e reclamando. Tudo com ele tinha que ser certinho nos mínimos detalhes. 


Na nossa turma tinha um gay. Ele não sabia que era gay, mas todo mundo já desconfiava pelo jeito dele falar, andar e por passar a maior parte do tempo conversando com as meninas. A gente chamava ele de Mafalda, lógico que pelas costas. Ele é quem levava os recados, arranjava os namoros, nosso cupido, nunca o vi namorar ninguém. Vietnã não o suportava, quando Mafalda vinha chegando, Vietnã saia, não dirigia a palavra ao pobre Mafalda que se sentia triste pela rejeição sem motivo. 


A gente cresceu, cada um pro seu lado. Vietnã virou advogado respeitado, um dos melhores do RJ, quiçá do Brasil. Continua sisudo e ranzinza, depois de velho ficou pior. Homofóbico da pior espécie, racista e machista convicto, não consegue disfarçar seu ódio pelos homossexuais. A maioria dos nossos amigos cortou relações com ele por seus posicionamentos antissociais. 


Vietnã visita sua mãe regularmente, todos os domingos. Por ironia do destino, Mafalda mora em frente a casa da mãe de Vietnã e todas as vezes que vê o carro dele chegar corre para a janela e por detrás da cortina caçoa de Vietnã. Semana passada ficou nu, deixando a silhueta aparecer pela renda da cortina falou  ao vento:


_ Semana que vem, vou querer um ovo de páscoa bem grande, daqueles da embalagem dourada, bem caro e um lanche daqueles tipo fish com um copão de refrigerante. Será que meu amor vai me dar? 


Vietnã, entrando na casa da mãe, olhou para trás e disparou:


_ Merece é um tiro, coisa esquisita, arremedo de gente, vergonha da sociedade! 


Por detrás da cortina Mafalda gargalhava. 


Domingo passado Vietnã chega na casa da mãe, como de costume Mafalda corre para a janela, por detrás da cortina, ao invés de fazer troça dele, limitou-se a falar baixinho, quase num sussurro:


_ Obrigado, amor de minha vida! 


Vietnã olha para trás com aquela cara amarrada de sempre, dá uma cusparada no chão e entra na casa da mãe para passar o domingo de páscoa. Mafalda chora emocionado, abraçado com um sanduíche fish e um ovo de chocolate grandão, daqueles de embalagem dourada, bem caro. 


O que será que existe por trás de nossas cortinas? 


Feliz Páscoa!!!!!! 

 

Nos siga no BlueSky AQUI.

Entre no nosso grupo de WhatsApp AQUI.

Entre no nosso grupo do Telegram AQUI.

 

Ajude a fortalecer nosso jornalismo independente contribuindo com a campanha 'Sou Daki e Apoio' de financiamento coletivo do Jornal Daki. Clique AQUI e contribua.

Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor

 

Comentarios


POLÍTICA

KOTIDIANO

CULTURA

TENDÊNCIAS
& DEBATES

telegram cor.png
bottom of page