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Para onde caminha o clima (e a humanidade)?

Por Carlos Turque


De pouco mais de 1 ano pra cá, o clima deu uma desajustada significativa. No Brasil, intensificaram-se eventos extremos como chuvas volumosas e concentradas, secas prolongadas, ondas de calor fortes e constantes (mesmo no inverno) e, agora, essas terríveis queimadas sem precedentes. Tudo parece ter se tornado uma espécie de novo normal. Desde junho de 2023, o único mês em que a temperatura global não foi o mais quente de toda a série histórica foi março. Todos os demais encostaram ou ultrapassaram 1,5°C de aquecimento em relação a era pré-industrial. Valor que é o limite estabelecido pelo Acordo de Paris. E, em 70% do território brasileiro, está ocorrendo a pior estiagem em 40 anos.

 

Uma combinação de fatores oceânicos e atmosféricos tem sido responsável por tamanha turbulência climática: El Niño muito forte (deixando as águas do Pacífico muito quentes até junho deste ano), aquecimento das águas do Atlântico norte (inclusive, também, por causa da redução da poluição por dióxido de enxofre por navios que trafegam na região e que tiveram que se ajustar às normas internacionais de controle de poluentes vigentes a partir de 2020)* e a ocorrência de uma oscilação natural que deixa as águas do Índico, também, mais quentes (Oscilação Madden e Julian – MJO). A  temperatura dos oceanos interferem muito nos padrões atmosféricos.**

 



Mas, apesar dessa combinação de fatores, a ciência climatológica é praticamente unânime ao afirmar que o aquecimento global provocado pela ação humana tem sido um ingrediente que tem agravado significativamente os eventos climáticos extremos. Isso posto, há que se considerar que a ciência ainda não sabe se o padrão climático atual veio para ficar (como se uma chave tivesse sido virada a partir de certo atingimento de patamar de temperatura global) ou se mudanças nos padrões oceânicos atuais poderão minimizar os desvios abruptos de temperatura e de umidade no Brasil e no mundo. Só o tempo irá mostrar, pois a ciência do clima exige um período maior de observação. 

 

A única certeza que se tem é que a humanidade precisa mudar profundamente a sua relação com o meio ambiente. As fontes de energia precisam ser outras. Não dá mais pra continuar explorando e queimando combustíveis fósseis. Os modelos de produção agropecuário e industrial, além do de consumo, também precisam de grandes mudanças. E, a educação ambiental precisa fazer parte de todos os aspectos da formação humana. Exige-se da humanidade uma transição energética e, em maior escala, a transição socioecológica.

 


É um enorme desafio, mas já existem iniciativas importantes neste sentido e que podem impulsionar muitas outras.*** A tecnologia pode ajudar, mas, nada fará mais diferença do que a mudança dos comportamentos político, econômico e social. Se o ser humano criou o problema, ele também precisa aprender a se responsabilizar e a resolver o problema. Neste sentido, os mais poderosos têm muito mais responsabilidades. Mas, toda a sociedade, em diferentes medidas, também precisa ter.

 

Em linhas gerais, é preciso resistir à ganância, ao negacionismo conveniente, mas também à desesperança! Afinal, como dizia Ariano Suassuna "o otimista é um tolo. O pessimista é um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”. E, aprofundando essa perspectiva, Paulo Freire afirmava:


"É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo".

 

            Então, enquanto realistas esperançosos, vamos esperançar!



***

 

*Dióxido de enxofre (SO2) é um gás aerossol que reflete parte da radiação solar, impedindo a sua chegada até à superfície, reduzindo a absorção e a produção de calor. De 2020 para cá, houve uma redução da emissão de SO2 na ordem de 80% em comparação com o período anterior à legislação da Organização Marítima Internacional (OIM). O aquecimento dos oceanos, sobretudo do Oceano Atlântico, em razão dessa mudança, tem sido discutida e dimensionada por cientistas.


** Também há que se considerar outros dois fatores que têm sido analisados pelos cientistas do clima. Um, foi a forte erupção do vulcão Tonga, em 2022, que liberou uma volume imenso de vapor de água na atmosfera, contribuindo,  em parte, com o aquecimento da atmosfera sobre o oceano Pacífico. Outro foi a redução do transporte de areia do Deserto do Saara sobre o oceano Atlântico (provocada por um enfraquecimento dos ventos), que contribuiu para a maior incidência de radiação solar e, consequentemente, maior aquecimento do oceano. O tamanho da relevância e da contribuição dos dois eventos para a elevação da temperatura global ainda estão sendo investigados.


*** Tais iniciativas serão abordadas no próximo texto.


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Carlos Turque é mestre em Ciência Ambiental pela UFF, professor de Geografia da Rede Municipal de Niterói e Orientador Educacional do Colégio Pedro II.

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