O verdadeiro homem
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Por Paulinho Freitas
Aranha sempre foi malandro. Nunca fez nada para agradar a Deus. Vivia nas costas dos pais. Das meias ao cigarro, tudo era bancado pelos “velhos”. Quando estes foram para o descanso eterno, sua irmã assumiu a responsabilidade de cuidar do mimado pimpolho, que já quase beirava os trinta anos.
Mulheres, teve muitas, por não fazer nada para agradar a Deus, tinha tempo suficiente para estudar suas vítimas, conquistá-las e deixá-las ao Deus dará depois de saciar seus instintos e desejos.
Quando conheceu Edileuza, viu nela a oportunidade de melhorar de vida, já que ela era filha única e seus pais donos de muitos recursos financeiros. Casou-se, mas continuou com a vida de solteiro. Edileuza sofria calada e nas missas dominicais rogava a Deus para que Aranha se regenerasse.
Certa vez conseguiu convencer Aranha a participar do encontro de casais, evento promovido pela igreja católica para ajudar casamentos em crise ou consolidar mais ainda aqueles sem problemas conjugais. Tudo correu as mil maravilhas. Aranha até que deu uma melhorada.
Passou a frequentar as missas dominicais e até chorava na hora da comunhão. O que Edileuza e outras senhoras não sabiam é que aquele grupo de homens quando se reuniam era para jogar um bom carteado ou visitarem uma certa casa ali pelos lados da Estrela do Norte, onde passavam a tarde, num tipo de reza diferente, junto com as “primas”.
No grupo que se formou após o encontro de casais estavam Jorge e Alessandra. Logo que descobriram que o casal não era casado segundo as leis da Igreja, não o convidaram para mais nada e evitavam até mesmo cumprimentá-los nas missas ou até mesmo num encontro casual na rua.
Quase quarenta anos depois, vejo Aranha. O tempo parece não ter passado para ele. O mesmo corte de cabelo, o bigode e a cara de criança arteira estão idênticos a foto na parede de sua sala, ao lado de Edileuza no dia do casamento. Continua no grupo de homens, “orando” todos os sábados à tarde, indo a missa aos domingos e chorando na hora da comunhão. Edileuza está menos sofrida, mas envelheceu a olhos vistos. Depois que os pais morreram, Aranha tomou frente dos negócios e ela virou uma espécie de doméstica com algumas regalias. Os outros homens do grupo não ficam atrás.
Jorge e Alessandra nunca mais foram a missa, costumam fazer suas orações em casa, fizeram até um altar para Nossa Senhora e lá, todos os dias, juntos agradecem pela união de tanto tempo, pelos filhos e netos e uma vida feliz.
Não tenho certeza, nem quero levantar falso testemunho, mas o que se fala a boca miúda é que o padre anda de olho em Aranha. Domingo desses o padre flagrou Aranha em atitude suspeita. Na hora do ofertório ele colocou dez reais na sacolinha, mas com a rapidez de uma águia, a mesma mão que levou a nota de dez, trouxe de lá, sem que ninguém visse, uma nota de cinquenta. O padre não tem certeza do que viu e nem quer acreditar que viu, mas em se tratando de Aranha, tudo é possível.
Uma coisa eu tenho certeza: Ele vai para o céu. O “inimigo” não vai querer um concorrente deste quilate e com o criador, acho que vai dar ruim para ele.
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.