O som do caveirão do 7º Batalhão - por Mário Lima Jr.
Conheço o som de cada veículo que circula em São Gonçalo. As motos com o cano de descarga adulterado são os mais irritantes. O som dos carros velhos é alto, mas digno de pena. Os ônibus e caminhões são barulhentos porque reproduzem o esforço da cidade pelo pão de cada dia. Já o caveirão do 7º Batalhão carrega com ele um ruído inconfundível, o som da destruição repentina de um município que antes acolhia quem fugia da violência.
Não é o som da morte como estamos acostumados, o som da sequência. Nossos antepassados se foram para que estivéssemos aqui hoje. Uma árvore um dia morre naturalmente, derrubando tudo à frente, ainda que tenha vivido centenas de anos. O som do caveirão suga os demais a sua volta, inclusive o barulho de caminhões grandes e compridos. Nem o som dos carros-fortes, semelhantes no formato, pode ser comparado com o ronco tenebroso do caveirão.
Tiroteios assustam pois indicam que algo mau está acontecendo, como um combate entre facções e polícia ou assassinato. Quando você ouve um fuzil ou pistola e inspira em seguida, você sente medo mas sabe que o pior pode ter terminado. Depois de um tempo, a vida se restabelece dentro das suas condições precárias. Em casa, fora da linha de tiro, pode ser que nem medo sinta. Quando o som do caveirão do 7º Batalhão da Polícia Militar invade o ambiente, significa que algo está prestes a acabar de maneira precoce, não sem ser violentado antes. Se o caveirão parar, tudo o que é humano próximo dali imediatamente definha e desaparece para sempre. Não é coincidência o 7º Batalhão ser o mais mortal de todo o estado do Rio de Janeiro. A morte acompanha a estupidez profunda e a falta de razão na existência de uma máquina nascida da indignidade social.
Ao ouvir os elementos presentes no som do caveirão, não há pavor do inevitável, como sentimos com um trem em alta velocidade se aproximando de um veículo parado nos trilhos. Embora triste, o choque violento é compreensível sob as leis da física e da fatalidade. O caveirão gera em nós a impotência total diante da aberração. Admiti-lo é desejar o fracasso do que sequer teve a oportunidade de nascer.
Os projéteis que já o acertaram são trazidos com ele, como medalhas de uma competição de caça humana. Quem já se aproximou da carcaça do bicho pôde ver que a bala fura e remove a tinta preta envolta do buraco. Por ser mais cruel que armas de fogo, o caveirão resiste a elas não sem impor sua crueldade ao barulho que faz. Ele indica que chegamos a um ponto onde jamais deveríamos chegar. Se o caveirão fosse realmente um “anjo guardião”, como o 7º Batalhão diz nas redes sociais, suas máquinas trariam paz e calma ao invés de arrastarem o fim.
Mário Lima Jr. é escritor.