O que significa amar o próximo no Brasil de hoje, por Mário Lima Jr.
No Brasil 117 milhões de pessoas sofrem com insegurança alimentar ou passam fome (AgênciaBrasil). Além do crime de matar lentamente por desnutrição, ano passado 50.033 brasileiros foram executados, em sua maioria negros (76,2%), jovens (54,3%) e do sexo masculino (91,3%) (G1). Se mais da metade da população do país não come em quantidade e qualidade suficientes e temos o nono maior índice de homicídios do mundo (Jornal do Comércio), amar o próximo significa acima de tudo ajudar, com todos os meios à disposição, quem hoje passaria fome ou sofreria com a violência se estivesse sozinho. Por justiça, não por caridade, para que os explorados logo possam agir para criar um país justo.
Oitenta e um por cento dos brasileiros assumem, através da prática de uma religião cristã, que amarão as pessoas a sua volta como se fossem elas mesmas (Datafolha). Diante deste compromisso, que depende menos de religião do que de caráter, é surpreendente que tantos brasileiros estejam abandonados. Que não sejam defendidos os nascidos nos barracos improvisados das favelas, sem acesso à educação, lazer, segurança, saúde e infraestrutura básica, como coleta de esgoto. Amar o próximo significa ir aos lugares onde a vida enfrenta mais sofrimento e combatê-lo. Aos ribeirinhos do Norte, às comunidades dominadas pelo crime do Sudeste, ir contra a pobreza do país inteiro.
Quem ama não tolera a violência, mas não a combate com mais violência descontrolada, aquela que mata jovens grávidas na rua, destruindo duas vidas inteiras pela frente. É capaz de compreender que as prisões nacionais precisam ressocializar com dignidade ao invés de multiplicar monstros, pois o mundo aqui fora já está cruel demais. Quem ama sabe que o bom sentimento impede o surgimento da violência, ela não nasce de forma espontânea. Nasce da ausência de respeito pela vida e da corrupção, da pobreza e da fome.
Amar o próximo significa odiar as armas que matam adolescentes dentro de casa brincando com os amigos. E desprezar qualquer político que incentive o uso de armamento, usando inclusive crianças nas suas manifestações de morte, crianças que um dia serão responsáveis por dar continuidade à construção de um país livre da dor.
Significa honrar a tradição e a sabedoria dos primeiros povos do Brasil e permitir que decidam e publiquem, da forma como preferem, com seus meios e sua própria voz, como querem viver. Amar envolve aprender com eles mudando nossos hábitos predatórios que prejudicam a natureza. Significa reconhecer que este país massacra índios e negros tanto pela pobreza quanto pela violência, afinal, este é o Brasil que mais precisa de amor. Admitindo a cor da pele e até mesmo a orientação sexual das vítimas, compreenderemos melhor o tamanho do nosso pecado, onde somos recordistas mundiais.
Se ainda houver dúvidas sobre o papel maior do amor, é impedir ou acabar com o sofrimento. Lembrando que as dores do Brasil continuarão existindo enquanto as vítimas estiverem em segundo lugar.
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Este texto apareceu primeiro em mariolimajr.com.
Mário Limas Jr. é escritor.