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O que falta?

SÃO GONÇALO DE AFETOS


Por Paulinho Freitas


O que é intrínseco na vida? O que não pode faltar? O que move o mundo, as pessoas, o universo? O que buscamos desde nosso nascimento, até a hora de nascer de novo para uma nova vida?


A feira do Gradim é aquele lugar que você se acostuma a ir desde a infância. Qual moleque, filho do proletariado que não sonhou em ter seu carrinho de rolimã para carregar as compras das pessoas e ganhar uns trocados, para no fim da tarde pagar um sorvete ou qualquer outra coisa que agrade aquele crush que não sai de seus pensamentos?


Depois, a gente vai para curtir um bate papo com a galera, quando acaba o futebol, beber aquele caldo de cana e comer um pastel. Mais tarde, vamos lá pela necessidade de economizar. Afinal, na feira tem sempre negociação nos preços. Estou nessa vibe: Economizar!


Sabadão, sol brilhando e a feira fervendo de gente. Como é tempo de eleição os candidatos à vereança do município invadem a feira à cata dos votos, daqueles que ainda não se decidiram em quem acreditar, ou daqueles, que não sabem nem que dia é hoje, quanto mais, que vai haver pleito municipal. Rodo para lá e para cá, caçando um preço melhor nas frutas e legumes. Já tinha algum tempo andando de barraca em barraca sem comprar um alimento sequer. Até uma camisa do Flamengo para o meu irmão eu comprei. Sou vascaíno, mas ele não teve a mesma sorte (não leve para o coração, é brincadeira).



Mas o que é de comer que é bom, não tinha comprado nada. Numa barraca de frutas tento escolher umas maçãs e como nas novelas ou comerciais, minhas mãos encontram outras mãos. E como nas novelas e comerciais, os olhos foram olhando o antebraço, o braço,  o ombro, o pescoço, até chegar nos olhos. Lá encontro o sorriso mais bonito que já vi em toda minha vida. Minha querida amiga de infância Maria das Graças.


Há quanto tempo não nos víamos! Abraços de saudade, os dois querendo falar da vida ao mesmo tempo. Muita emoção! Quando perguntei pela família, ela baixa os olhos e se faz distante. Senti que era tempo de sentar naquela barraca de caldo de cana e ouvi-la. Senti que ela precisava falar.


Quando adolescentes, ela namorava com Alfredo, primeiro namoro dos dois. Ele se formou dentista, ela, professora. Casaram-se e pensaram ser felizes para sempre. (A gente se programa, mas tem que combinar com o destino.) Alfredo é um profissional competente. Lhe dava de tudo, dinheiro, carros, viagens... O que ela pensasse, estava na mão. Via um comercial na tevê e se achava algum produto bonito, no dia seguinte ele trazia para ela. Ela se acostumou com esses mimos, deixou o trabalho e virou figura fácil nos shoppings da vida. 


Um dia, saindo do Shopping São Gonçalo, se distraiu ouvindo uma música do Caetano Veloso, que Beto Lemos cantou para ela há mais de trinta anos, num bar da cidade, esqueceu de olhar para a esquerda e um carro que vinha passando abalroou o seu. Ela já saiu do carro gritando que o motorista teria que pagar o prejuízo, falava alto e gesticulava em todas as direções enquanto procurava na bolsa o celular para chamar o marido, o rapaz que dirigia o outro carro, sorria gentil e dizia estar tudo bem, iria pagar, era só ela se acalmar.



Depois de convencida a voltar ao shopping, beber uma água para acertarem os detalhes do pagamento, foi surpreendida com um homem muito gentil, que se apresentou como mecânico e iria consertar o carro dela sem custos, assumiria qualquer dano causado. Falou de seus lindos olhos castanhos, de ter adorado seu corte de cabelo curtinho, de nuca batida, a cor de sua pele e que foi desnudando sua alma com um jeito que ela não conseguiu resistir, acabou a tarde na Rodovia Amaral Peixoto, num quarto de motel que não tinha nem ventilador.


O tempo passou, os encontros ficaram cada vez mais frequentes e quentes, até que um dia Alfredo descobriu, deu o flagrante e acabou com o casamento. Ela voltou para a casa da mãe, só com a cuia, pois a mala, Alfredo botou fogo, com todas as roupas, joias e demais presentes dados numa vida inteira de casamento.


A mãe, jogava na cara dela todos os dias que ela tinha jogado a sorte fora, um homem como Alfredo jamais iria encontrar de novo. Ela dava de ombros, pois tinha um novo e grande amor. Este, ao perceber que os presentes não chegavam mais, bloqueou seu número e não atendia mais a seus telefonemas, tentou pedir perdão a Alfredo para reatar o casamento, afinal, pensava ter feito uma grande besteira ao trai-lo, mas Alfredo não queria vê-la, ouvi-la e nem entender as desculpas.


Deixei que ela falasse à vontade. Depois, chorou de dar dó. Quando se recompôs, perguntei o que eu poderia fazer para ajudar. Ela me disse que nada. O melhor que fiz foi ouvi-la. Ela estava decidida a costurar o coração, aquela cicatriz iria ficar, mas ela podia recomeçar. Vai voltar a lecionar, exercitar a escrita que tanto gostava, tentar novas amizades, amores, se reconstruir. Até o último minuto de vida é vida ainda, então vamos fazê-la feliz!


Perguntei a ela então, o que faltou em Alfredo e o que faltou no mecânico, para que sua vida fosse feliz com um ou com o outro. Ela me responde que o que falta na vida dela, é o que falta ao mundo: AMOR! Se tiver amor, não precisa mais nada. Os dois deram a ela, o melhor que tinham para dar, mas o melhor para eles, era nada para ela.


Minha amiga Maria das Graças me deu um abraço de confiança tão forte que me fez, de novo, acreditar no ser humano. Eita mulher! Enquanto ela caminhava, indo embora, eu olhei em volta e vi que os barraqueiros já estavam se preparando para desmontar a feira. Caramba! É hora da xepa!  Adorei! Estava tudo mais barato! Além da aula de vida, ainda economizei.


Boa sorte Maria! Deus te abençoe!


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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.


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