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Foto do escritorJornal Daki

O protesto, por Fábio Rodrigo


Uma das mais movimentadas avenidas da cidade estava com o tráfego interrompido. O congestionamento chegava a cinco quilômetros e era notícia nos telejornais. O âncora mostrava em detalhes todas as alternativas possíveis para quem quisesse fugir do grande engarrafamento. Se alguém estivesse saindo de casa naquele momento, bastava ligar a TV e se informar sobre os atalhos muito bem esquematizados na telinha.


O repórter, ao vivo, mostrava a indignação dos motoristas por estarem horas presos no trânsito e não poderem seguir o caminho em direção ao trabalho. De relance, a câmera captava algumas imagens de barricadas feitas por moradores de uma favela à beira da avenida, que realizavam um protesto e causavam o nó no trânsito. Mas os manifestantes não eram ouvidos. Os jornalistas não queriam saber de entrevistar nenhum deles. Pouco se lixavam para o que eles propunham.


A única informação mencionada é que o protesto mobilizou algumas pessoas indignadas com a morte de um morador que saía de casa para ir ao trabalho. Os veículos de imprensa nada diziam que o morador, o Lecinho, assim era conhecido na comunidade, havia sido morto à queima roupa por um policial militar em uma operação realizada cedo.


Depois de horas, após uma longa pressão por parte dos policiais, o protesto chegou ao fim. Todos os objetos que estavam na pista foram retirados, e o movimento de automóveis começou a fluir normalmente. No telejornal, as notícias eram animadoras, pois se dizia que o desfecho ocorrera devido à negociação entre policiais e manifestantes. Com o trânsito liberado, não havia mais perigo de o cidadão que paga religiosamente seus impostos ficar preso no trânsito. O sorriso estampado no rosto dos jornalistas demonstrava que tudo terminara bem. Mas e a morte do morador da favela? O crime será investigado? Bem... Nada disso era do interesse dos jornalistas do telejornal.

Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.





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