O poder do poder
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Por Paulinho Freitas
Eu queria muito entender o porquê de o ser humano querer sempre estar na frente do outro, custe o que custar. Estamos certos e o mundo está errado, nossa opinião tem que prevalecer, pois sabemos de todo e qualquer assunto. Entendemos as leis, melhor que os grandes juristas, de futebol damos aulas, mesmo sem ter posto os pés num campinho que seja, pelo menos uma vez na vida.
No amor damos conselhos e mostramos caminhos que nunca caminhamos, nossa lógica de vida é a lógica que o mundo deveria seguir. Não dá mole na frente de ninguém. Vão passar por cima de ti, sem dó e cantarolando em lá maior, uma cantiga do Bem Jor.
Fico eu às vezes matutando com as teclas do computador: Quem vai parar o ser humano?
Na esquina da rua em que moro, é montada uma blitz, quase todos os dias. Vão parando carros e motos aleatoriamente e solicitando os documentos de praxe. Até aí tudo bem. É necessário cuidar da segurança, da ordem e se fazer cumprir as leis. Ocorre que algumas autoridades extrapolam seu limite de poder. Se o cara está sem a documentação ou se o veículo está sem a condição necessária para trafegar, aciona-se o guincho e manda-se o veículo para o depósito até sua regularização. Mas às vezes fazem cada covardia que nem vou te contar. Aliás, vou contar um causo, acontecido há algum tempo.
Numa tarde de sábado, blitz montada e uma autoridade pede parada de um veículo. Quando solicitada a documentação do veículo e a habilitação do motorista, o mesmo constata que esqueceu a carteira em casa com a documentação, dinheiro, etc., pediu para ser liberado para apanhar a carteira, alegou também ser uma autoridade. Aquele que solicitou os documentos, além de não liberar, ainda mandou o veículo para o guincho.
O rapaz ficou olhando o carro subindo no guincho. Depois de algum tempo afastou-se, sentou no meio fio e fez uma ligação. Ainda voltou para argumentar, mas até levou uns empurrões. Enquanto isso, dois carros que acabavam de serem furtados no centro da cidade, passavam tranquilamente para destino ignorado.
Depois de algum tempo, vários guinchos saíram com até três carros cada um com destino ao depósito publico na Cidade do Rio de janeiro. O problema é que o rapaz realmente era também uma autoridade, policial federal, lotado na fiscalização da Ponte Rio Niterói e em sua ligação, solicitou aos companheiros de serviço que parassem todos os reboques que por lá passassem.
O resultado foi que os reboques também estavam com a documentação irregular e um a um foram sendo lacrados naquele setor. Foi um tal de comandante ligar pra delegado, que ligava pra secretário, que ligava pra prefeito, que ligava pra governador... E assim, nessa miscelânea de poder onde ninguém se entende, foram liberados todos os carros e reboques e todo mundo bateu no peito dizendo que resolveu. Até a casa legislativa do estado tinha seu representante naquela salada, onde o poder era o ingrediente principal.
No final das contas, o poder mandou e o mesmo poder teve juízo para obedecer. E nós? Bem, nós somos o ingrediente insosso, que está ali para dar mais visibilidade ao ingrediente principal.
E segue o baile.
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.