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O Pacto

Foto do escritor: Jornal DakiJornal Daki

SÃO GONÇALO DE AFETOS


Por Paulinho Freitas

Foto: Pixabay

Robertinho é o barbeiro que cobra mais barato no mundo. Por apenas quinze reais um corte de cabelo. Corto com ele desde a pandemia e gosto de ouvir suas histórias e convicções sobre a vida. Todo barbeiro é assim. Eles sabem da vida de todo mundo, tem solução para todos os problemas, sentimentais, de saúde, sobre a política, enfim, são phd’s em tudo. Robertinho é professor.


Estava eu ouvindo ele falar sobre as disputas políticas no nosso município. “Esse prefeito tinha que pegar os figurões que estão por trás desse tráfico de drogas, fica pegando o povo das periferias, mas os verdadeiros criminosos estão na Barra da Tijuca.”  Vociferou ele com a tesoura no ar num discurso eloquente. Só faltou pedir aplausos quando terminou de falar. Eu ia falar pra ele que o prefeito não tem esse poder todo, mas fiquei sem graça de estragar aquela atuação de gala.


Atrás de mim, olhando com ares de reprovação às falas de Robertinho estava Ventura, que interrompeu a conversa e começou a falar:



“Eu nunca vi um governo tão frouxo igual a esse. No meu tempo, tinha disso não. As polícias chegavam para resolver. Ninguém assaltava na rua igual agora não. Eu mesmo andava com os bolsos cheio de dinheiro. Era apontador do jogo do bicho, fazia muito dinheiro, meu ponto era forte. Pagava na hora qualquer prêmio. Esses figurões da Prefeitura, do Inps, tudo jogava comigo. Eu era convidado para as festas das repartições, frequentava a casa de gente bacana, andava na madrugada, gostava também de um carteado e só vivia cercado de mulher bonita".


Um sábado de noite fui numa festa no centro de dona Jacy. Comida farta, muita bebida, muita mulher bonita. Ninguém fala que frequenta, todo mundo diz que não gosta de macumba, mas é só aparecer um problema de difícil solução que todo mundo corre pro terreiro. Esse povo não é mole. Quando cheguei na porta da casa, antes que eu pudesse me fazer ser notado, uma mulher lá no final da grande sala manda me buscar. Sua roupa era toda rasgada, ela fumava um cigarro atrás do outro e bebia champanhe.



Quando cheguei perto, ela deu uma gargalhada e me disse: Tá gostando da festa? Respondi: Acabei de chegar, mas deve estar boa, tem muita gente. E ela foi direto ao assunto: _você é ambicioso, devagar está subindo. Posso deixar você mais poderoso, com mais dinheiro. Te dou tudo o que você quiser e em troca você vai me vestir, me calçar, me dar bebida e cigarro. Já ando do seu lado há muito tempo, toda essa sorte no jogo e essas mulheres todas já sou eu quem te dá. Vou te dar muito mais, e pelo preço, tá barato, não acha?


Aí eu falei o que não devia ter falado, tem hora que a boca não obedece ao pensamento: _tu me deu o quê? Tudo o que eu tenho é fruto do meu trabalho, tudo dentro da “legalidade”. Não preciso de você pra nada. Posso até de dar um cigarrinho uma vez ou outra, mas não quero compromisso não. Sai de mim encosto!


 Saí de perto dala resmungando, fui prum canto onde estavam uns amigos e comecei a beber. Fiquei a noite toda lá. De vez em quando ela passava por mim, dava uma gargalhada e ia falar com outras pessoas. Era a festa dela e ela só subiu quase de manhã, olhando para mim e gargalhando.


Acredita que daquele dia em diante eu dava palpite pros outros e todo mundo ganhava, mas se eu jogasse no meu palpite o bicho não vinha. Fui perdendo os pontos do bicho até ficar só com uma banquinha de pouca féria. As pessoas influentes que sempre estavam perto de mim, quando “quebrei” se afastaram e até mudavam de calçada quando me viam. Passei um período difícil. Depois me converti, me aposentei e nunca mais quis saber de jogo ou coisa errada. Já estou com oitenta anos e até hoje fico pensando se fiz certo ao não aceitar aquela proposta.


Até hoje escuto nos meus sonhos ela gargalhando e falando que ia me jogar no chão. Às vezes ela sopra um palpite nos ouvidos e sempre dá. Tenho uma vizinha que sempre tá ganhando. Hoje por exemplo vai dar gato. Tenho certeza que dá gato com cinquenta e seis.


Ventura levantou, se espreguiçou, pegou sua bolsa a tira colo, atravessou no peito e saiu caminhando lentamente, com aquele andar de malandro de antigamente, com sandálias brancas. Eu e o Robertinho nos entreolhamos e rimos da situação. Ninguém falou com Ventura e nem pediu sua opinião. Ele começou a falar do nada e do nada foi embora sem se despedir. Por via das dúvidas fiz uma fezinha no gato. Robertinho embarcou também. No final da tarde fui ver o resultado: Deu cobra com trinta e cinco.


Fiquei olhando pro meu jogo, me xingando por minha ignorância. Uma senhora que estava recebendo um dinheirinho, ela jogou na cobra, passou por mim e disse: _Joga no burro! E saiu gargalhando aquela gargalhada macabra. Cheguei a me arrepiar. Joguei o papel no lixo e quando olhei de novo a velha tinha sumido. Sai pra lá encosto!


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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.


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