O mundo precisa de um Papa João XXIV
- Jornal Daki
- há 12 horas
- 3 min de leitura
Por Pedro Rebelo

Nas próximas semanas, quando o conclave finalmente se reunir sob os afrescos da Capela Sistina, o mundo intensificará a pergunta que já move corações e apostas: quem será o próximo Papa?
Mas talvez a pergunta mais profunda seja: que Igreja ele vai liderar? Francisco, o Papa que fez sua páscoa após mais de uma década de pontificado transformador, trabalhou para que a resposta seja coerente com um projeto de abertura, diálogo e misericórdia.
Essa sucessão não é neutra. Durante seu pontificado, Francisco nomeou mais de 70% dos cardeais eleitores. Não foi apenas uma renovação numérica, mas também simbólica e pastoral: bispos das periferias, de contextos não europeus, muitos com trajetória junto aos pobres, indígenas, refugiados e movimentos sociais.
Francisco forjou, com paciência, um conclave mais sensível às dores do mundo do que às tradições palacianas da cúria romana. O próximo Papa poderá ser, pela primeira vez, verdadeiramente moldado à imagem de Francisco e talvez, à imagem do carpinteiro de Nazaré.
Em 2021, ao ser convidado por um bispo italiano para visitar sua diocese nos festejos de 75 anos em 2025, Francisco respondeu com um sorriso enigmático: “Em 2025, será João XXIV.” A frase, dita em tom de brincadeira, revela muito mais do que aparenta. Aponta para sua consciência sobre a transitoriedade do próprio pontificado e seu desejo de continuidade não apenas de uma figura, mas de um projeto eclesial.
Se seu desejo enigmático se cumprir e o eleito escolher o nome João XXIV, essa escolha carregará um símbolo de esperança e coerência histórica. João XXIII, o “Papa bom”, ousou abrir as janelas da Igreja com o Concílio Vaticano II, convocando o catolicismo a dialogar com o mundo moderno, reconhecer outras religiões e colocar os pobres no centro da missão cristã. Francisco foi herdeiro dessa ousadia, e um Papa João XXIV seria a reafirmação desse caminho: não de ruptura com a fé, mas de fidelidade a uma Igreja em saída, como Francisco tanto repetiu.
Entretanto, os setores conservadores da cúria não descansaram. Ainda que em minoria entre os eleitores, mantêm influência em áreas-chave do Vaticano — do controle litúrgico às finanças — e operam com habilidade comunicacional junto a grupos católicos ultraconservadores, sobretudo nos Estados Unidos, na Europa e em parte da América Latina. Já se movimentam nos bastidores com nomes que evocam uma “restauração da ordem”.
Para esses setores, o futuro da Igreja deve ser uma volta ao passado, à centralidade eurocêntrica e ao clericalismo hierárquico. Por isso, mais do que um novo pontífice, o mundo precisa de um João XXIV: alguém que reforce o espírito do Vaticano II com coragem, aprofunde a sinodalidade como horizonte de comunhão, fortaleça a presença da Igreja nos territórios empobrecidos e encarne, como Francisco, um pastor que cheira a povo.
Se para os cristãos, o Espírito sopra onde quer, as análises políticas da Igreja levam a crer que não sopra ao acaso. Se hoje há cardeais capazes de continuar esse projeto, é porque Francisco preparou o terreno: nome a nome, gesto a gesto, oração a oração.
O mundo está à espera, pois ainda no mundo de hoje, a figura do Papa carrega simbolismo e peso polítco real. Trata-se de um Chefe de Estado e líder de uma instituição milenar.
Que venha o conclave. E que dele saia um Papa que continue a conversão pastoral iniciada por Francisco. Que a História nos permita ver um Papa João XXIV.
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Pedro Rebelo é professor de história e pesquisador sobre a origem do candomblé em São Gonçalo (RJ).
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