O intruso, por Fábio Rodrigo
Era uma livraria situada em uma área nobre da cidade, cujo público é composto majoritariamente de pessoas altamente escolarizadas, que diariamente vão até lá para saber das novidades literárias. Muitos se aconchegam nos sofás para desfrutar de um bom livro. Outros preferem pôr a leitura em dia saboreando um café expresso no espaço gourmet da loja.
Num desses dias de bastante movimento da loja, um morador de rua adentrou o ambiente. Era um mendigo de aproximadamente 60 anos, com uma imensa barba grisalha e cabelos maltratados. Ele vestia uma calça rasgada e uma camisa encardida. E ainda carregava uma sacola imunda a tiracolo. O cheiro fétido do mendigo denunciou sua presença. Não se importou com os olhares desafiadores do público em geral e penetrou o local como se fosse sua casa. Bisbilhotou várias estantes de livros e elegeu um para se deleitar. Sentou em um dos sofás e folheou o livro, demonstrando pouca habilidade de manuseio.
De repente, o intruso paralisou o ambiente com uma estonteante gargalhada. Todos observavam-no tentando entender o motivo de tal atitude abominável. Não era possível saber o motivo de tanto riso. Um desenho chamativo? Uma frase engraçada? E por acaso ele sabia ler alguma coisa? Ninguém fazia questão de averiguar. O fato é que ele, com o livro nas mãos e com os olhos vidrados em uma das páginas, não parava de rir. Era uma risada que expunha a ausência de dentes na boca murcha. Sua felicidade incontida incomodava a todos. O resultado disso foi que, aos poucos, o público começou a deixar a livraria.
Minutos depois, só restou no ambiente o homem sentado no sofá. Sem se dar conta, era ele o responsável pelo esvaziamento repentino do local. Não precisou de muito para pôr pra fora toda uma gente avessa aos excluídos do sistema social. Sem pressa de ir embora, passou os olhos em muitos outros livros. E foi assim que se apoderou de vez de toda a riqueza literária que ele mesmo conquistara.
Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.