O futuro da cidade no adeus do menino - por Mário Lima Jr.
Peguei um copo d’água, caminhei até a varanda do apartamento pra ver o movimento da rua e tomei um susto. Quando olhei pra baixo, do oitavo andar, vi que um menino, sorrindo, dava tchau pra mim. Por um instante me esforcei pra entender o motivo da gentileza, não consegui. Nunca vi aquele garoto, a gente não se conhece. Meio desajeitado, logo acenei de volta. Se eu demorasse, ele poderia virar a cabeça e jamais saber que acenei também. Queria que ele tivesse certeza que a atenção que ele me deu tinha sido muito importante pra mim.
O menino calçava chinelos, vestia uma bermuda jeans escuro, camisa preta, com rabiscos vermelhos no meio, e carregava uma mochila nas costas. Não vou esquecer o rosto redondo, o cabelo acobreado com mechas loiras, como os garotos de hoje gostam de pintar, e o sorriso largo. Como ele já estava quase passando a esquina do prédio e se aproximando das plantas altas do canteiro do lado esquerdo, por pouco não percebi que mais três meninos caminhavam ao lado dele. Eram quase duas horas da tarde, todos estavam de mochila e sem uniforme escolar.
Só o menino mais alegre me viu e deu tchau. Como crianças costumam acenar no banco de trás do carro para o motorista do outro veículo. Acontece que esse garoto tinha uma vontade fora do comum. Balançou o braço e a mão com força e não demonstrou timidez, como se ele fosse um adulto seguro e eu a criança. Ele queria dizer alguma coisa. Alguma coisa ele queria mudar.
Talvez, que é preciso, sorrindo, se despedir de São Gonçalo. Ou o contrário, que São Gonçalo um dia vai sorrir e se despedir das suas tristezas. Um dia, não agora. Agora nem um bilhão de reais livre de impostos foi capaz de fazer essa cidade sorrir. Um bilhão vinte e três milhões duzentos e dezesseis mil seiscentos e noventa reais e oitenta centavos da venda da CEDAE. Como se essa fortuna não tivesse existido. Como se não fosse suficiente para modernizar cada escola municipal e equipá-las com o necessário para salvar as próximas gerações de gonçalenses, porque os gonçalenses vivos hoje não acreditam mais em si mesmos.
Hoje São Gonçalo não consegue sequer adquirir uniformes de acordo com a idade e o número dos alunos da rede municipal, muitos responsáveis reclamaram que receberam tênis apertados. Há poucos anos era possível saber pelo menos o que a cidade pretendia cumprir na educação e na saúde, por exemplo, hoje ouvimos apenas o silêncio. O que sobrou em São Gonçalo foi uma única criança sorrindo, falta descobrir se ela acena com esperança ou se despedindo.
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Mário Lima Jr. é escritor.