O espelho, por Fábio Rodrigo
Acordou para mais um dia de trabalho. Foi ao banheiro tomar o seu banho. Enquanto se arrumava, olhou-se no espelho e viu refletida outra imagem. Era outra pessoa no espelho. Tomou um grande susto. Como pode ser? Virou as costas e olhou de novo. E viu novamente a imagem de um desconhecido refletida à sua frente. Não disse nada à sua esposa. Cumprimentou-a. Beijou os seus filhos. Sentou à mesa para tomar o café. Esperou que dissessem algo a seu respeito. Pensou que todos fossem ver o mesmo que ele tinha visto no espelho. Como ninguém se manifestou, ele também preferiu não dizer nada.
Saiu para o trabalho. Olhou-se no vidro retrovisor do carro e novamente viu o ser estranho. Tentou entender o que estava acontecendo. “Estou tendo uma alucinação?”, pensou. Chegou a achar que as seguidas noites mal dormidas podem ter causado alguma confusão mental. Não tinha dúvidas de que o acúmulo de trabalho o deixava estressado e, por isso, estava vendo coisas de mais.
Assim que chegou na empresa, seus colegas de trabalho prontamente o cumprimentaram. Ninguém estranhou nada em seu semblante. Era o mesmo de sempre. Chegou até a ficar um pouco aliviado. No entanto, tinha que conferir se aquilo já estava realmente superado. Foi ao banheiro para se olhar no espelho. E o espelho não o deixava mentir. Não era ele mesmo, era outra pessoa.
Depois de um estafante dia de trabalho, só pensava em ir pra casa descansar. E nada tirava da sua cabeça o fato que lhe ocorrera: quem ele via no espelho não era ele próprio. Era quem? Martelava isso na sua cabeça no caminho de volta pra casa. Chegando em casa, sua esposa o recebeu com todo o carinho de sempre. Percebeu que havia algo estranho com seu marido. Perguntou a ele o que estava acontecendo. Ele, no entanto, preferiu não dizer o motivo de sua angústia. Precisava tomar um banho para relaxar a cabeça. Foi ao banheiro e, ao se olhar no espelho, a imagem do desconhecido estava novamente refletida. Não pensou duas vezes: quebrou o espelho em mil pedaços.
***
Contribuição do editor
Navegando em busca de uma imagem que ilustrasse sempre o brilhante texto do Fábio, me encontrei com esse poema do Samokal, e compartilho com você, por minha conta e risco.
Vejo-me ao espelho e não me reconheço,
revejo-me apenas em ténues lembranças de tempos que já lá vão
desvaneceram com o passar do tempo,
o que resta começa a ficar num patamar que trás a duvida: foram realmente verdade ou não.
Vejo-me ao espelho e percebo o quanto envelheci, o quanto a vida me tirou
percebo que aos poucos me fui entregando, fui deixando de lutar contra o destino
acomodei-me e perdi a ambição. Os sonhos ...esses, foram morrendo, e já fazem parte de um passado cada vez mais distante.
Vejo-me ao espelho e apenas observo um homem sem brilho
que decidiu viver nos tons cinza porque é mais seguro, porque cansa menos , porque não doí tanto !
Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.