O escândalo Americanas e o mito da inciativa privada
Por Helcio Albano
As Lojas Americanas estão com uma "inconsistência contábil" de R$ 20 bilhões, de acordo com o CEO da empresa que não ficou nem 10 dias no cargo.
"Inconsistência contábil" é um nome bonitinho, um eufemismo, que o "O Mercado" e imprensa amiga inventaram pra fraude, roubo e trapaça do trio Lemman, Telles e Sicupira, da 3G Capital, que controla, desde 1982, a quase centenária empresa fundada por imigrantes estadunidenses em 1929 em Niterói. Sua primeira loja foi em Icaraí.
Entre inconsistências e dívidas, a capivara chega a R$ 40 bilhões. É o maior escândalo do capitalismo brasileiro. Mas de longe. Porém, a mídia especializada e os parças da Faria Lima tratam o assunto como se fosse uma mero descuido nas anotações do caderno de fiado da padaria de seu Joaquim.
Isso se explica: Lemman et caterva são os maiores bilionários do Brasil e donos de empresas como a Ambev, por exemplo. Uma das maiores compradoras de espaço publicitário das agências que injetam grana nos principais veículos de mídia do país.
E Globo, Estadão e Folha de S. Paulo estão entre elas, as maiores defensoras em seus editoriais do "privatiza que melhora" pra empresas públicas que ainda não foram entregues na bacia das almas a estrangeiros e fundos abutres de pensão. O escândalo Americanas inverte a máxima: inconsistência no cool dessa turma é refresco.
O banco BTG Pactual, que é credor do 3G, não quer saber de dar refresco aos caras e partiu pra cima. E a inicial apresentada pelos advogados do banco à Justiça já se tornou um clássico forense contra o sr. Lemman.
Plus
A inicial do BTG contra o Lemman e cia. é uma delícia. Os advogados relatam à Justiça que o caso em tela é a "triste epítome (resumo) de um país". E segue:
"Os três homens mais ricos do Brasil (com patrimônio avaliado em R$ 180 bilhões), ungidos como uma espécie de semideuses do capitalismo mundial 'do bem', são pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio".
Ui.
Bônus
Mais adiante, os advogados do escritório Galdino & Coelho, que defendem o banco controlado por André Esteves, contestam o pedido de proteção da 3G à Justiça contra execução das dívidas pelos credores. Eis a pérola:
"É o fraudador cumprindo a sua própria profecia, dando verdadeiramente 'uma de maluco para esses caras saberem que é pra valer', (...) fraudador travestindo-se como o menino da antiga anedota forense, que, após matar o pai e a mãe, pede clemência aos jurados por ser órfão".
Bônus-Track
E, para finalizar, o BTG pede que a Justiça reconheça a forma ardilosa com que Lemman e cia. se utilizaram pra se safar da pepinosa:
“E tudo indica que todo esse ardil já está sendo planejado e operado há muito tempo. Ao apagar das luzes de 2021, a 3G Capital simplesmente abre mão do controle da companhia, curiosamente sem qualquer prêmio, criando a figura de ‘acionistas de referência’ para seguir controlando suas decisões por trás dos panos, sem a exposição ordinária de um controlador comum.”
***
Baixe de graça o livro Reflexões de proa do jornalista Helcio Albano.
Siga @helcioalbano
Ajude a fortalecer nosso jornalismo independente contribuindo com a campanha 'Sou Daki e Apoio' de financiamento coletivo do Jornal Daki. Clique AQUI e contribua.
Helcio Albano é jornalista e editor-chefe do Jornal Daki.