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O dono da lancha é o de cabeça branca - por Erick Bernardes


Foto: Pixabay
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Relembro do desperdício de tempo que foi a travessia da Praça XV, lá no centro do Rio, até a Ilha de Paquetá. Duas horas de viagem náutica, Deus do céu, que demora. Mas poderia ser diferente se o acesso pela Ilha de Itaoca, município de São Gonçalo, configurasse tarefa fácil. Pois é, ainda existe opção: travessia da Caieira de Itaoca para Paquetá. Imagine, uns minutinhos só e pronto, já estaríamos no cenário eternizado por Joaquim Manuel de Macedo em A Moreninha.


Conversei com um amigo conhecedor das ilhas do entorno acerca da demora da travessia: "Do centro do Rio pra lá é muito tempo, torturante. E barca partindo de Niterói para Paquetá não tem mais. O trajeto desanima, meu caro".


E assim ele recomendou:


— Você deveria conhecer as lanchas que fazem a travessia de Itaoca a Paquetá.


E desse jeito o caso se deu: pegamos o ônibus 31, descemos praticamente no portinho, na borda onde os barcos aguardavam. Manoel apontou o homem de camisa regata, cabelos brancos e bermuda.


— O dono da lancha é o de cabeça branca, ele é piloto também. Sem dúvida, é o barqueiro, bora lá!


A travessia foi viabilizada pelas barcas do senhor simpático, dono da lancha, o de cabeça branca. Exatamente, ele tem uma frota de embarcações que trazem o nome dos seus parentes mais chegados — e que ainda realizam viagens de Itaoca para as ilhas pertencentes à Baía da Guanabara. Os barcos sempre pertenceram a esse homem apaixonado pelo trabalho — e que mantém a profissão raríssima de barqueiro de Itaoca. Seus serviços merecem mais divulgação. Coisa linda de se ver. Incrível como São Gonçalo não explora com afinco esse tipo de viagem. A paisagem é digna de contemplação. Impossível não reconhecer. Se fosse na cidade de Jorge Amado, decerto constituiria um dos clássicos da literatura brasileira, inevitável comparação.



Durante o trajeto em direção a Paquetá, um dos passageiros que leciona na escola estadual ali por perto nos contou histórias. Verdade, sempre há um ou outro cidadão querendo se comunicar. Tudo que eu precisava, narrativas, memórias, palavras preciosas na voz do professor:


— Pego há anos essa lancha. Foi o tempo em que levava meus alunos para conhecer também Jurubaíba e Ilha do Sol. Eles amavam. Laboratório vivo é a Baía de Guanabara.


Soube ainda, pelo mesmo passageiro, que na época das charretes movidas a cavalo, atrativo turístico e fonte de renda, os moradores de Paquetá vinham a SG com vistas a adquirir capim para complementar a ração dos equinos.


— Mas não só isso. Cansei de ver os comerciantes virem a Itaoca buscar suprimentos para suas mercearias e quitandas. Até caminhões frigoríficos paravam na Caieira com alimentos destinados aos restaurantes de Paquetá. Eu lembro, movimento grande, nostalgia enorme.


Uma beleza, não é? Com tanta informação interessante, é claro que pedi o contato do professor nativo. E tem mais histórias vindo por aí. Aguarde.


— Obrigado, professor. Bastante agradecido.

 

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Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.






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