O Circo chegou!
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Por Paulinho Freitas
Durante quinze anos de minha vida estive numa escola de circo. Todos os anos via chegar as crianças, os jovens e os adolescentes. Apesar de turmas diferentes, tamanhos e idades diferentes, para mim, eram todos artistas circenses de primeira linha. A gurizada, ao primeiro contato com as pernas de pau, monociclos, aparelhos de malabares e outros, já saiam exercitando como velhos profissionais do ramo. Bastava alguns minutos para que eles aprendessem o básico e daí para frente era só inventar novos números e seguir em frente.
As aulas eram animadas, Aonde tem criança a alegria faz morada. No circo todos tem o mesmo tamanho, a mesma cor, o mesmo sexo, o mesmo nível. No circo é impossível fazer alguma coisa sozinho, tem sempre uma mão amiga para te ajudar. Quando você entra num circo, se prestar atenção, o bilheteiro é o apresentador do espetáculo. O palhaço passa por você nos intervalos vendendo pipoca. Aquela linda bailarina, com o sorriso que você vai levar na memória para sempre é a mesma menina simpática que vende balas e doces. No circo, cada um é todo mundo.
Meu coração sempre escolhia alguém para acolher e proteger e esse alguém nem sabia disso. Ficava torcendo para que desse tudo certo e que fosse o destaque nos exercícios. Tudo o que estava a meu alcance eu fazia por aquele ou aquela.
Vi muitos romances começando, muitos terminando, ouvi muitas confidências e me sinto orgulhoso por isso. O coração de Alguns também me escolhiam como protetor e protegido. Alguns relacionamentos que lá começaram já duram uma década e estão cada vez mais forte. Já vejo, pelas redes sociais, filhos destes, seguindo o caminho das artes. O circo é magia, é mágica, é mistério, é inspiração. Compus até algumas canções infantis sobre o tema. O circo é tanta coisa boa que nem sei explicar.
O circense não fica sem dinheiro nunca. Por pior que esteja a situação, três bolinhas de malabares, três claves ou uma roupa de palhaço junto a um semáforo são como um caixa eletrônico, a senha é o espetáculo. Todo carro que passa deixa algum dinheiro e rapidamente se faz a diária.
Por ver o sofrimento nos ensaios, o acerto tentado dezenas, centenas de vezes, as lágrimas nas contusões ou tombos durante as tentativas, nunca assisti a um espetáculo, ficava lá fora torcendo e quando o povo aplaudia era porque o número tinha dado certo. Aí eu entrava no banheiro ou procurava um lugar para ficar sozinho e chorava de alegria.
Meu semblante era sempre sério, alguns alunos tinham até medo de me pedir alguma coisa. Mal sabiam que aquele era o meu papel e que minha vontade era pegá-los no colo a cada vez que caiam.
O circo social está em todo país, educando, dando oportunidades, fazendo pessoas e profissionais melhores. Mesmo que a criança não seja um artista, jamais será a mesma criança ou a mesma pessoa depois de passar por lá.
Vi alguns deles se transformando em instrutores, vi companhias se formando, profissionais competentes nos palcos e coxias, criando e atuando.
Em todos os lugares do mundo tem um circense brasileiro que começou num circo social. Quando vejo um deles atuando na televisão, quando vejo o anúncio de um novo espetáculo onde algum deles estão presentes, quando os maiores circos do mundo vem ao Brasil e em sua trupe tem um dos alunos que vi crescer, meu coração se enche de orgulho, os olhos lacrimejam e sinto aquele friozinho gostoso na barriga. Eu também estou ali “respeitável público.”
Vivas ao Circo.
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.