O camelô mais simpático usa tornozeleira eletrônica - por Mário Lima Jr.
Ele fica no sinal da Praça Chico Mendes, em frente ao viaduto de Alcântara. Nunca em grandes grupos, no máximo três vendedores no total. Corre pra cima e pra baixo, da calçada pra rua, geralmente sem camisa, carregando uma caixa de balas de goma de menta e mais nada. Nada no corpo, além da bermuda preta, dos chinelos e da tornozeleira eletrônica no pé esquerdo. Já no espírito, o camelô magro e alto traz tanta alegria que contagia quem passa no local.
Testemunhei uma viatura do 7º Batalhão da Polícia Militar sendo vítima da simpatia desse camelô. A viatura parou no sinal fechado, o rapaz se aproximou correndo da janela – a realidade diz que poderia ter tomado um tiro – e ofereceu sorrindo o pacotinho de balas. Não houve tiro, o único crime foi obstrução do trânsito. O semáforo abriu para veículos e a viatura do batalhão de caçadores, que não caça pra soltar depois, ficou lá parada no meio da rua, comprando jujuba e bloqueando o fluxo. Por longos instantes saía dinheiro pela janela e entrava pacote, todos os ocupantes do carro devem ter comprado em solidariedade ao vendedor. Se alguém mais viu a cena, também sentiu esperança em um Rio de Janeiro de paz e respeito.
Quando os clientes vão embora, o camelô sai do asfalto, volta pra debaixo da marquise pra se proteger do sol e se agacha. De cócoras, muda a ordem dos pacotinhos na mão, acerta de um lado, sacode as balas do outro pra misturar o açúcar com a goma, e se concentra esperando o sinal fechar de novo. A mudança no humor do vendedor é clara. Do que ele se lembra, só ele sabe. O rosto fica sério, o olhar atravessa a Praça Chico Mendes, o muro das casas do outro lado da rua e para em um ponto distante impossível de descobrir. Agachado, sem vida, parece voltar a ser um dos mais de 800 mil presos que compõem a população carcerária brasileira, a terceira maior do mundo.
O transe é quebrado assim que o fluxo para. Então, ele não pendura um pacotinho em cada retrovisor, como os concorrentes. Especializado em uma estratégia de venda diferente, o rapaz escolhe um veículo na fila, levanta e ataca a janela do carro dando “Bom dia!” ou “Boa tarde, quer uma balinha pra ajudar?”. A maioria dos motoristas não resiste porque se sente verdadeiramente escolhida pra comprar e fazer o bem, no meio de uma fila de outros motoristas e possibilidades. Dizendo ao cliente que ele é único e querido, a abordagem do camelô garante a alegria geral, apesar dos nossos crimes.
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Mário Lima Jr. é escritor.