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O aquecimento global provocado pela ação humana não é uma invenção ideológica; o negacionismo, sim

Por Carlos Turque

Escultura do artista Issac Cordal retrata políticos discutindo o aquecimento global. Foto: PRI.
Escultura do artista Issac Cordal retrata políticos discutindo o aquecimento global. Foto: PRI.

Catástrofes, como a do Rio Grande do Sul, trazem sentimentos angustiantes, entre eles, o de impotência. O que nós, pessoas comuns, podemos fazer diante de acontecimentos dessa magnitude? Podemos ser solidários, manifestar empatia, ajudar materialmente dentro das nossas possibilidades, fazer preces quando se tem fé e desejar que, dentro do possível, a situação evolua para uma melhora e que as pessoas afetadas tenham o acolhimento e o atendimento necessários. São ações que nos tornam mais humanos e que nos conecta de alguma forma. 


Mas, é necessário ir além. A humanidade precisa construir outras formas de relação com o meio ambiente. E o ponto de partida deve ser o reconhecimento do óbvio: o aquecimento global provocado pela ação humana não é uma invenção ideológica. O negacionismo, sim.


Uma ideologia está associada a um conjunto sistematizado de ideias e de princípios que são fundamentados em valores, crenças, interesses, afetos, teorias (validadas ou não), visões de mundo etc. Uma determinada ideologia compartilhada por um grupo pode, ao mesmo tempo, não fazer sentido para outros. Por essa razão, ela nunca é consensual, tamanha a diversidade de pensamentos e de experiências que existem na sociedade. Portanto, uma ideologia não pode ser tratada como verdade inquestionável, inconteste. 



Algo diferente ocorre com a questão do aquecimento global provocado pela ação humana. Atualmente, quase a totalidade da comunidade científica internacional reconhece que está havendo elevação da temperatura média do planeta e que isso tem sido provocado pelo ser humano, sobretudo a partir do início da era industrial (século XVIII).


Recentemente, uma pesquisa realizada pela Universidade de Cornell (EUA)* fez uma revisão de 88.125 pesquisas relacionadas à crise climática, que foram publicadas entre 2012 e 2020. Desse total, apenas 28 estudos duvidavam da influência das ações humanas na elevação da temperatura do planeta. Ou seja, mais de 99% dos estudos realizados no período concluíram que as atividades humanas são as responsáveis pelo aquecimento global. 


O desmatamento e a queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral) têm elevado a concentração de gás carbônico na atmosfera, provocando a maior retenção do calor irradiado pela superfície terrestre, intensificando o efeito estufa. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)**, maior autoridade científica no mundo sobre o assunto, dispõe de um grande acervo de estudos a respeito do tema. 

            

Cabe ressaltar que a porção minoritária dos cientistas que negam o aquecimento global provocado pela ação humana, em sua grande maioria, são financiados pelos setores causadores do problema.



O aquecimento global é uma realidade que se impõe. E, não depende de alguma ideologia para existir ou para se fazer perceber. Portanto, o tratamento da questão requer, em primeiro lugar, o enfrentamento do negacionismo, que, este sim é, ironicamente, característica de uma determinada ideologia sombria, antiecológica e anti-humanista.


Exige escolher representantes políticos verdadeiramente comprometidos com as questões socioambientais. Demanda cobrar das autoridades públicas a realização de investimentos em infraestrutura para aumentar a resiliência das áreas mais vulneráveis às consequências do desequilíbrio climático, protegendo toda a sociedade, sobretudo a população mais pobre, que é sempre a mais afetada por catástrofes ambientais.


Neste sentido, existe a urgência da formulação de políticas públicas para resolver o problema do déficit habitacional, que empurra as camadas populares para as ocupações em áreas de risco. 


Exige reivindicar adaptações nos espaços urbanos para amenizar fenômenos como as ondas de calor. Requer apoiar setores e organizações que constroem alternativas e que enfrentam os grandes interesses daqueles que querem manter esse modelo econômico insustentável social e ambientalmente.



Obriga punir os desmatadores e tornar difícil a vida dos setores que insistem na exploração dos combustíveis fósseis e nos mantêm dependentes deles. Demanda educar para reduzir o consumismo e a pegada ecológica da população mundial.


Por fim, exige uma grande cooperação internacional que consiga articular ações concretas de proteção das vegetações e de viabilização da transição energética com a maior celeridade possível. 


A natureza não se vinga e muito menos está em fúria, como afirmam algumas manchetes sensacionalistas. Ela apenas está passando por transformações após tantas agressões sofridas. A Terra é o único planeta conhecido que reúne todas as condições para a existência dessa enorme diversidade da vida, das mais simples às mais complexas, incluindo a nossa. Mas, ela tem limites que precisam ser respeitados.


As boas notícias são que já identificamos as causas do aquecimento global e sabemos o que precisa ser feito. Um dos maiores desafios, agora, é enfrentar poderosos interesses econômicos de grupos que continuam construindo fortunas em cima do desmatamento e da exploração dos combustíveis fósseis, ameaçando a nossa biosfera, o nosso bem-estar e a nossa existência. 




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Carlos Turque é Mestre em Ciência Ambiental pela UFF, Professor de Geografia da Rede Municipal de Niterói e Orientador Educacional do Colégio Pedro II.)


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