No telejornal, por Fábio Rodrigo
Ele estava na TV. Pois é. Um simples morador de rua ganhava destaque em um dos principais telejornais. Ele havia feito um barraco de lona e papelão bem no meio de uma obra abandonada na cidade. A obra é a construção de um viaduto de grande importância para aliviar o tráfego da região. Por falta de verba, a prefeitura precisou paralisar a construção do viaduto, que é uma antiga reivindicação dos moradores.
De forma audaciosa, o morador de rua construiu um barraco bem na subida do viaduto e gerou comentários perniciosos. “É muita cara de pau. Cadê as autoridades que não fazem nada pra retirar este homem?” – disse indignado um pedestre que ia para o trabalho. “A gente tá esperando há anos este viaduto ficar pronto, aí vem este infeliz e se aloja ali. É um absurdo!!!” – disse revoltada uma moradora do bairro.
A audácia do morador de rua provocava novos comentários no telejornal. O presidente da associação de moradores do bairro disse que será protocolado um pedido à prefeitura para que retire imediatamente o morador de rua de lá. Segundo ele, atitudes como esta denigrem a imagem do local. “Se outros fizerem o mesmo, será péssimo para nosso bairro” - disse taxativo o presidente da associação.
De acordo com um dos comerciantes da região, houve uma queda em suas vendas com a presença do morador de rua. “Muitos ficam com medo da presença dele e evitam passar por aqui.” E acrescentou: “Eu quero ver o que ele vai fazer quando a obra retornar.” No entanto, o secretário de obras do município disse em entrevista que não há previsão para o retorno da obra e que a prefeitura está fazendo o possível para retorná-la em breve.
No telejornal, eram mostradas imagens que flagravam o momento em que o morador de rua saiu de seu barraco para estender algumas peças de roupa no varal. Os jornalistas comentavam ardilosamente cada ação feita pelo atrevido homem. Só pra registrar, o adjetivo “atrevido” foi usado por um dos jornalistas. Logo em seguida, o homem acendeu um cigarro e começou a fumar. E ainda, para escárnio de todos que acompanham perplexos a cena, ele se sentou em uma cadeira de praia para tomar banho de sol.
Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.