No canto do bar, por Fábio Rodrigo
Era um daqueles estabelecimentos comerciais destinados aos que pertencem às camadas subalternas da sociedade. Como a fome era negra, decidi ali mesmo pedir o famoso “prato feito”. Perdoem-me o adjetivo “negra”, mas é que não encontrei outro que expressasse melhor. Entrei e sentei em uma mesa, bastante comida pela ferrugem, bem no canto do bar. Havia um indivíduo encostado ao balcão que me olhava parecendo demonstrar que ali não era o meu lugar. Na outra extremidade do balcão, um grupo de amigos jogava purrinha e não notou minha presença naquele local.
Depois de um tempo, um senhor já de idade avançada se aproximou de mim. “Vai comer o quê?”, perguntou sem qualquer fineza. Ao ouvir meu pedido, sacou a caneta que estava presa na orelha e anotou em um surrado caderno de notas. Em seguida pegou a encardida toalha no ombro e limpou minha mesa.
Enquanto aguardava o rango, observei melhor o cenário ao meu redor. Afixados nas paredes sujas, antigos pôsteres de equipes de futebol já amarelados devido ao tempo. Acima do freezer, havia prateleiras com empoeiradas garrafas de conhaque de alcatrão. Entre uma garrafa e outra, havia uma imagem de São Jorge ao lado de um copo de cachaça. O chão encardido do bar era a prova da degradação do ambiente. O cheiro de cigarro mesclado com o da cachaça escorrida na parede do balcão dava um ar inconfundível ao local. Só não era mais forte que o odor de urina vindo do banheiro.
Veio então a minha comida. E era daqueles pra nenhum estivador botar defeito. O arroz com feijão tomava conta do prato. Em outro, um grande naco de bife junto com as batatas fritas. Todos encharcados de óleo. Dezenas de moscas tentavam atravancar meu momento de prazer. A cada garfada um safanão para espantá-las. Era tanta a fome que devorei em pouco tempo aquela grande quantidade de comida. Não desperdicei nada. Bebi o último gole de refrigerante e pedi a conta. O senhor, dono do bar, me entregou o cálculo feito com garrancho em um pequeno pedaço de papel. Paguei a conta e agradeci pelo serviço prestado.
Quando ia sair, adivinha quem veio em minha direção! Pois é... o indivíduo que me encarou quando cheguei. Se dirigiu a mim e, bastante alcoolizado, me deu um longo abraço. Saí satisfeito sabendo que aquele gesto era o que faltava para ter certeza do quanto eu pertenço àquele local.
Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.