Mundo virtual, por Fábio Rodrigo
Eles haviam se conhecido há alguns dias. Faz tempo que eles vasculhavam as salas de bate-papo virtual à procura de alguém com gostos e interesses semelhantes. Ele, 20 anos, estudante de comunicação social. Ela, 19 anos, estudante de arquitetura. Os dois se identificaram de imediato. Adoram viajar e sonham conhecer o mundo árabe. São fãs do cinema argentino e de arte abstrata. Escutam música clássica e são fissurados em Dostoiévski.
Trataram de manter a sua identidade preservada. Eram “conquistador” e “carinhosa”. Todos os dias os dois se encontravam para teclar na sala virtual. Relutavam em divulgar o verdadeiro nome e o bairro em que moram. Telefone ou e-mail, nem pensar. Preferiam o anonimato. E isso era suficiente para se declararem como almas afins. Não faziam questão de se verem pessoalmente. Confiavam na descrição de si mesmos. Ele, 1,85m, branco e corpo atlético. Ela, 1,76m, morena de olhos verdes e cabelos lisos até o ombro.
Todos os dias tinham algo novo para conversar. Seja em relação aos assuntos do mundo moderno, seja a respeito da vida pessoal de ambos. Pareciam confidentes um do outro. Os dois juravam que nunca tiveram experiência similar em bate-papo na internet. Tinham uma necessidade enorme de se encontrarem diariamente na sala virtual. Não tinham com quem conversar pessoalmente. Não se identificavam com os amigos da faculdade. Eram vistos como antissociais. A vida de ambos se resumia em ir pra faculdade e voltar pra casa.
Certo dia desses, depois de horas de conversa, tiveram que interromper o papo. Marcaram de se encontrar novamente à noite. Despediram-se. Era hora de pôr a leitura em dia. Mas, antes disso, tinham que ir pra rua respirar um pouco de ar e comprar algo. Os dois abriram ao mesmo tempo a porta de seus respectivos apartamentos: 101 e 102. Estavam defronte um do outro. Os desconhecidos se cumprimentaram e seguiram cada um o seu próprio destino.
Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.
