Mixórdia e a salada cultural de Fábio Rodrigo
Por Erick Bernardes
Conquistar a atenção do leitor já no primeiro parágrafo: eis aí uma das características mais marcantes do escritor Fábio Rodrigo. Autor da coluna dominical do Jornal Daki, ele vem construindo uma estética própria fazendo aquilo que sabe bem, ou seja, falar da língua portuguesa corrente através de “causos” e de situações inusitadas.
Valendo-se de uma traço de estilo atento às camadas mais sensíveis da linguagem, sua escrita é capaz conjugar entretenimento e informação — e isso diz muito da personalidade do artista que também é professor da rede pública de ensino e leitor eclético do seu tempo. Ao lançar esse primeiro livro solo, Mixórdia e outras histórias, (Editora Apologia Brasil, 2019) Fábio Rodrigo escolhe as crônicas por ser o primeiro gênero (ou subgênero) a que se dedica compulsoriamente em sua coluna semanal no respectivo periódico, mas, acima de tudo, pelo fato de as crônicas se constituírem de um modelo híbrido de narrativa em que o autor possa se empenhar no exercício do estilo e fazer as necessárias experimentações.
O volume Mixórdia e outras histórias contém textos que variam, desde observações cotidianas sobre palavras corriqueiras, mas cabíveis de confusão devido ao desconhecimento do seu real significado vocabular por parte do grande público, até a narrativa memorialísta e nostálgica de uma cidade e o seu próprio imaginário local, conforme fica clara a saudade da meninice na crônica “Recordações”, ao relembrar a Praça Estephania de Carvalho e seus tempos idos — e não é possível ao enunciador "esquecer o espaço de terra que hoje abriga um parquinho" onde frequentou outrora.
Ademais, conhecedor que é da Linguística Funcional, Fábio Rodrigo não abre mão de salpicar um pouco de ironia fina, ao construir personagens tão próximos daqueles que prezam pelos excessos de purismos da língua, com que às vezes nos deparamos em nossa vida cotidiana. Conforme se vê na crônica “Mixórdia”, e que dá nome ao livro, os textos contêm aquela conotação cômica que, por vezes, reveste os seus enredos. Em uma das narrativas mais emblemáticas, por exemplo, “Nacionalista de carteirinha”, encontramos um personagem que se vangloria de não fazer uso de estrangeirismos em sua fala, quando esse sujeito demonstra nutrir antipatias a tudo que lhe pareça diferente acerca da língua corrente. Em outro caso, no texto “Conversa aberta”, a questão da comunicação entre pai e filho é problematizada, ao ponto de um possível conflito se insinuar, embora isso de fato não aconteça. São histórias corriqueiras, sobre situações comuns, mas que nos fazem refletir sobre as nossas maneiras de falar e de escutar, em um mundo cada vez mais carente de bons ouvidos.
Enfim, o livro de crônicas Mixórdia e outras histórias traz ao leitor divertidíssimas narrativas ambientadas no município de São Gonçalo e, principalmente, oferece ao público aquela fatia de conhecimento que só um profissional atento aos problemas da sua cidade natal é capaz de proporcionar. Pois é, bom para nós gonçalenses, que temos o privilégio de poder contar com um cronista do quilate do Fábio Rodrigo em seu primeiro livro solo. Parabéns, professor, e que venham muitas outras obras por aí, pois nós merecemos um trabalho de alto nível como o seu.
Referência
Rodrigo Gomes da Costa, Fábio. Mixórdia e outras histórias. São Gonçalo/RJ: Apologia Brasil, 2019.