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Manto Tupinambá: entenda como o item repatriado era usado em rituais antropofágicos e por lideranças indígenas no Brasil

Manto de penas vermelhas do século XVI foi doado pelo Museu Nacional da Dinamarca para o Museu Nacional do Rio e será apresentado em breve. O objeto é um símbolo espiritual da cultura Tupinambá e o único da época que está no Brasil



Foto: Reprodução/Museu Nacional da Dinamarca
Foto: Reprodução/Museu Nacional da Dinamarca


O Manto Tupinambá do século XVI, que chegou ao Rio de Janeiro sob sigilo na primeira semana de julho, faz parte da história de formação do povo brasileiro e era utilizado por lideranças indígenas antes da chegada dos europeus ao Brasil.



Segundo historiadores, o ritual antropofágico dos tupinambá - quando os indígenas comiam a carne do inimigo como símbolo de vingança - era um dos rituais em que o manto era utilizado. Entenda na reportagem como o item era parte importante da cultura indígena.



Doado ao Museu Nacional do Rio de Janeiro pelo Nationalmuseet, o Museu Nacional da Dinamarca, em Copenhague, a peça histórica pertenceu ao povo tupinambá, que, por volta do século XVI, habitavam diversas partes da costa brasileira. Na época, a população tupinambá tinha aproximadamente 1 milhão de indivíduos.



No mundo, existem apenas 11 mantos tupinambás deste tipo, produzidos entre os séculos XVI e XVII. Com exceção do item que chegou ao Brasil esse mês, todos estão na Europa, em museus da Itália, Suíça, Bélgica e França.


Para o jornalista, pesquisador e escritor Rafael Freitas da Silva, autor do livro 'O Rio Antes do Rio', a devolução do Manto Tupinambá para o Rio de Janeiro é um fato relevante e um marco histórico do ponto de vista da reconstituição da cultura brasileira.


"Nenhum dos mantos originais está no Brasil. No século XVI, grandes civilizações tupis ocupavam o que hoje é o Rio de Janeiro. Muitas comunidades existiam ao redor da Baia de Guanabara. Eles ocupavam também as regiões onde hoje são os bairros da Zona Norte e Oeste. Muitos nomes são dessa época, como Irajá e Guaratiba", comentou Rafael.


"O manto é anterior a colonização e essa é a importância do manto. É um objeto genuinamente brasileiro, um item dos povos originários", acrescentou o pesquisador.


O g1 também conversou com a antropóloga Glicéria Tupinambá, uma artista e liderança da comunidade indígena Serra do Padeiro, na cidade Buerarema, no Sul da Bahia. Ela foi a primeira pessoa em 400 anos a reproduzir o Manto Tupinambá original e participou ativamente do processo de repatriação do manto da Dinamarca para o Brasil.


Segundo Glicéria, a presença do manto no país representa a oportunidade de revitalizar a cultura tupinambá, além de poder estudar e entender a importância desse patrimônio.


“Essa peça tem uma espiritualidade viva. É um ancestral que se mantém vivo até os dias de hoje e consegue se comunicar”, comentou Glicéria Tupinambá.


"É bastante significativo porque temos ainda muito a desvendar sobre aquilo que nos pertence. Importante para revitalizar a nossa cultura, de entender melhor, de se debruçar sobre ele. A gente tem um grande patrimônio e é importante entender o que representa", completou.


Utilizado por líderes e carrascos


Em seu livro sobre a Guanabara Tupinambá, Rafael Freitas explica que o manto era um objeto sagrado e utilizado em alguns rituais. "O ato de vestir o manto representa uma conexão dos encantados com seus antepassados e a sabedoria ancestral".


"O manto era o principal símbolo espiritual da cultura Tupinambá, era o divino, o sagrado. Quem portava o manto eram os grandes pajés, as lideranças", explicou Rafael.


Segundo o pesquisador e a antropóloga Glicéria Tupinambá, existiam diferentes mantos na cultura indígena. Pajés, caciques e majés utilizavam mantos parecidos com o modelo que chegou ao Brasil recentemente.


"Além dos pajés, tinham as majés e os caciques que também eram portadores do manto. Para chegar a portar o manto, a ter um manto, eles tinham que ganhar o respeito da tribo. Só as pessoas que eram portadores desses mantos tinham esse lugar de escuta, de sentar a beira do fogo na Casa de Reza, a casa central", explicou Célia.


"Ele era o topo da hierarquia. Quem não era portador do manto não tinha essa autoridade. A posse do manto ou a transmissão do manto se dava através da espiritualidade, dos encantados", acrescentou.


A antropóloga afirmou que o manto não é apenas um objeto artístico e que tem grande valor espiritual.


"O pajé precisa acolher esse ancestral. Não é um objeto de arte, admiração, é um objeto de espiritualidade muito forte, que precisa ser cuidado", destacou Celia Tupinambá.


Ritual antropofágico


Além do modelo usado pelas lideranças das tribos, outro manto Tupinambá também era utilizado em um dos rituais antropofágicos mais famosos e comentados pelo mundo, o tupinambá. Ou seja, quando os indígenas comiam a carne de inimigos capturados, numa demonstração de força e para vingar seus antepassados mortos em batalha contra esses rivais.


De acordo com o pesquisador Rafael Freitas, esse era um rito de passagem para o jovem guerreiro, que precisava demonstrar ser homem de valor ao capturar e matar um rival de sua tribo. Segundo ele, a cerimônia para a morte do inimigo durava dias. Era de fato uma festa, regada a bebida e comida, onde as tribos aliadas eram convidadas a participar da confraternização e do ritual para comer a carne humana.


"Para conseguir casar, esse jovem guerreiro tinha que ser considerado um homem verdadeiro, um guerreiro experimentado. Ele conseguia isso numa batalha real ou capturando um rival para o ritual na aldeia. Era um ritual religioso e esse jovem tinha que provar seu valor e matar o inimigo", explicou.


O pesquisador lembra que antes do ritual, o rival capturado passava meses vivendo com a tribo. Por muitas vezes, esse inimigo 'se casava' com uma indígena local, vivia os costumes e hábitos daquela tribo, até que chegasse o momento do ritual para a sua morte.


"Estamos falando de uma civilização de 2 mil anos. Diferente da nossa civilização que tem 500 anos, eles tinham um passado de 2 mil anos", explicou.


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