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Manda quem pode - por Paulinho Freitas

SÃO GONÇALO DE AFETOS


Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O verão é uma delícia. Ainda mais quando começam os ensaios das escolas de samba e as quadras fervem de gente bonita, alegria, abraços, afagos, cerveja gelada e samba bom.


O Rio de Janeiro, da baixada até a região metropolitana, é abençoado!


Fomos, eu e minha esposa, convidados por uma amiga a festejar seu aniversário em uma grande escola de samba na cidade do Rio de Janeiro. Lá chegando, as barracas à frente da quadra já com muita gente bebendo e cantando, a quadra toda iluminada e a bateria arrebentando.


Minha esposa gosta muito de bagunça, mas samba é um negócio diferente de tudo o que se vê nos outros locais. No samba o grã-fino da zona sul é o mais pobre dos mortais e o que não sabe se terá o pão para o café do dia seguinte é o Rei, o milionário, o centro das atenções, o artista principal. Ah o samba!


Depois de dar umas voltas pelas barracas, lembrei que estava sem cigarros e subi uma rua para comprar num bar. Perto do bar um senhor já com bastante idade, cabelos rastafári e barba grande fumava um cigarro quilométrico e ria de nada e para o nada. No bar, antes que eu pedisse o cigarro entrou um guri de dez ou doze anos com uma garrafa de refrigerante pequeno nas mãos e gritou para o dono do estabelecimento: _Minha vó mandou encher!


O dono do bar apanhou a garrafa das mãos do menino e encostou num velho barril de madeira em cima do balcão, abriu a torneira e encheu a garrafa até entornar quase. O menino pegou a garrafa e saiu em disparada, não pagou, mas o dono do bar anotou alguma coisa num caderno.


Comprei o cigarro e fomos para a entrada da quadra, onde na portaria expliquei ao cidadão que lá estava, que meu nome e de minha esposa estavam na lista de convidados para o camarote da aniversariante.


Eu muito risonho e ele muito sério e sem olhar para mim respondeu: _Irmão, esse negócio de lista não é aqui. Aqui é quarenta conto. Vai na outra portaria que deve ser lá. Agradeci sem receber resposta e fomos para a outra portaria. Expliquei ao cidadão responsável que meu nome e de minha esposa estavam na lista de aniversariantes.


O cidadão em questão já olhando para as pessoas que vinha atrás de nós respondeu: _ Ô meu cumpadi, aqui todo mundo paga quarenta conto na bilheteria aí do lado e depois passa por aqui para entrar. Se você não tem ingresso não atrapalha o fluxo. Dá licença!


E já me deu um empurrãozinho de leve que é para eu entender que eu não entraria. Mas como sou teimoso tentei na última portaria e recebi a mesma resposta. Eu não queria fazer valer minha “autoridade” de compositor do GRESU Porto da Pedra, mas fui obrigado. Assim que mostrei a carteira o cara deu uma risada e eu pensei: Deu certo! Muito me enganei. Ele foi mais educado, mas também me barrou dizendo: _ Irmão, com todo respeito, se todo mundo chegar aqui me dando carteirada, a escola vai à falência e eu não recebo meu pagamento. Ou você paga quarenta conto de cada um ou fica na barraca do lado de fora. Aqui não entra.



Eu já tinha sido humilhado demais, era hora de voltar para casa. Antes de chegar ao carro encontro meu amigo Chicão, gente muito boa, conhece o mundo do samba inteiro, além de ser "cria" daquela comunidade. Meu amigo perguntou por que eu estava indo embora, expliquei tudo a ele.


Meu amigo Chicão ficou possesso e me fez voltar. Ainda disse a ele que não precisava se incomodar e que eu não estava aborrecido, mas não adiantou, tive que voltar com ele. Na portaria, quando o porteiro me viu com Chicão já fez uma cara de cachorro que caiu da mudança e não sabia onde se esconder.


Chicão, um cara de 1,90m de altura e quase o mesmo tanto de largura foi chegando pertinho do rosto do cara, quase nariz com nariz e falou baixinho: _Tu tá vendo este rapaz aqui? Viu a carteira dele? O cara balançou a cabeça afirmativamente. Chicão continuou: _ Quando ele chegar aqui, sozinho ou trazendo São Gonçalo inteiro com ele, você fecha a portaria e leva ele lá no camarote, manda descer cerveja, refrigerante e salgado e pelo amor de Deus, quando chegar uma visita você trata direito, você entendeu? Você tem uma função, o pessoal do departamento social tem outra, então, na dúvida, chama alguém. Tá tudo certo agora?


O cara só balançou a cabeça afirmativamente. Chicão pediu para que eu entrasse à sua frente, subimos as escadas e ele me levou a um camarote vazio com uma recomendação: _Já mandei vir bebidas e salgados pra vocês, vou dar uma saída e já volto, não vai embora sem falar comigo. E sumiu no meio da multidão.


A noite foi muito agradável, a comunidade da escola nos recebeu muito bem, foram lá no camarote falar com a gente o pessoal do departamento de harmonia, os compositores, a velha guarda e até uma saudação especial no microfone feita pelo intérprete oficial da escola foi dada.


Voltei para casa muito feliz. Depois que acordei é que me lembrei das palavras de Chicão: _Não vai embora sem falar comigo! Xiiiiiiiiiiiii!!!!! Não podia ter esquecido disso, afinal manda quem pode, obedece quem tem juízo...


_Foi mal Chicão!

 

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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.



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