Lourdes Brazil: São Gonçalo cresceu baseada na exclusão e segregação social
Por Helcio Albano
A questão ambiental, do meio ambiente ou socioambiental, como preferir, é, segundo a quase totalidade dos cientistas que tratam do assunto, urgente e preocupante em todos os níveis, sejam eles globais ou locais.
A emissão de gases poluentes na atmosfera, de origem fóssil ou não, tem aprofundado as consequências do efeito estufa no planeta, aumentando de modo permanente a temperatura média em todas as regiões, o que é uma catástrofe para os ecossistemas e biomas, levando a desequilíbrios severos ou mesmo a colapsos, como periga ocorrer na Amazônia e nos pólos extremos do planeta que, sim, é redondo.
São Gonçalo, por conta do seu desenvolvimento humano, social e econômico problemáticos, sofre com as mazelas de sempre de uma cidade com essas características: descarte, coleta e destinação irregulares do lixo, baixa oferta criteriosa de água e esgoto, bem como o seu tratamento, poluição dos rios e solos e cobertura vegetal aquém do que recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 12 metros quadrados de área verde por habitante.
Dentro desse quadro é inevitável o sofrimento humano, voluntário por ignorância, ou involuntário pela omissão do poder público.
Sobre isso, batemos um papo - ainda que preliminar, porque muito mais coisa virá pela frente - com uma das maiores especialistas em Ecologia Social, a professora, economista e doutora pela UFRJ, Lourdes Brazil, 63 anos, há 32 morando em São Gonçalo, mais precisamente no Colubandê, onde fundou há 11 anos o Centro de Educação Ambiental Gênesis, dentro de um fragmento de mata Atlântica no mesmo bairro.
- A nossa missão é educar para a sustentabilidade, visando envolver pessoas e instituições no processo de superação dos problemas socioambientais e construção de sociedades sustentáveis - relata a professora, consciente das enormes deficiências de São Gonçalo na área:
-A cidade tem várias deficiências, fruto do modelo de urbanização, baseado na segregação e exclusão social - observa.
O trabalho do Gênesis na restauração da cobertura vegetal no Colubandê é reconhecido e premiado no Brasil e no exterior.
- Estamos recebendo a visita da pesquisadora Ebba Brink, da Lund University, que está fazendo um estágio de pós-doutorado na UFRJ e quer conhecer nosso trabalho e considera a restauração da cobertura vegetal como uma estratégia de enfrentamento das alterações climáticas, em nível local - informa Lourdes.
Jornal Daki: Qual a maior deficiência ambiental de São Gonçalo?
Lourdes Brazil: A cidade tem várias deficiências, fruto do modelo de urbanização, baseado na segregação e exclusão social. A falta de serviços, como coleta de lixo, coleta e tratamento de esgotos, faz com que haja poluição e destruição de ecossistemas. A baixa cobertura vegetal, também é um problema, pois compromete a qualidade ambiental e isso é grave, considerando o contexto das alterações climáticas.
Vou citar dois desses embora haja outros:
1. A superação desses problemas passa pela implementação de políticas públicas, elaboradas com contribuições da população.
2. E para isso é necessário um trabalho de educação ambiental com todos os segmentos da população, incluindo a infância e a juventude. Essas são recomendações de documentos como a Agenda 21, Carta da Terra e o atestado de educação ambiental para sociedades globais. Todos as atividades do Gênesis seguem as orientações desses documentos.
K: O que a experiência do Gênesis pode oferecer à cidade?
L: O Gênesis tem experiência. Um de seus projetos foi selecionado como um dos 90 melhores do ano pela ONU habitat internacional em 2010. A superação dos problemas socioambientais requer formação e capacitação. Essa seria a grande contribuição do Gênesis, uma vez que tem experiência e pessoal capacitado, fazendo visitas in loco, workshops, cursos, projetos e programas.
K: A questão ambiental é o maior desafio humano da atualidade e do futuro? Precisamos de mais Gretas Thunberg no mundo?
L: Sim. É um grande desafio, porque estamos com problemas que têm impactos sobre milhões de pessoas. Há ainda impactos desconhecidos e que só serão identificados no futuro
Li uma notícia, hoje mesmo, sobre o abate de milhares de camelos na Austrália, que estão invadindo as cidades por fome e sede.
Possivelmente o aprofundamento da crise vai provocar grandes êxodos populacionais nas próximas décadas. Podemos imaginar o cenário de terror.
Na verdade vamos precisar de todo mundo, sejam Gretas, Marias ou Joses.