Lembranças - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Semana passada testei positivo para Covid 19. Por mais cuidados que a gente tenha, depois das três doses de vacina ainda se está sujeito a ser abraçado por este inconveniente vírus. Embora quase sem sintomas tive que ficar recluso no quarto praticamente toda a semana. A sorte é que podemos pensar; fechar os olhos e inventar muitas histórias. Ou reviver partes de nossa vida, o que também é muito legal.
Da minha vida amorosa não tenho muito a falar, aliás, todo mundo só tem vitória pra contar neste sentido. Ninguém perde só ganha. Acho que o único que tem algumas, mas significativas derrotas pra contar sou eu, ou pelo menos o único que contou isso até hoje, nesse caso, quem vai contar.
Nasci e fui criado no bairro Paraiso aqui em São Gonçalo, segundo de quatro irmãos, criado praticamente por avó, mãe e irmã. Meu pai trabalhava muito e tinha pouca instrução e o tempo que tinha em casa descansava ou fazia alguma coisa para relaxar do trabalho intenso.
Logicamente que fui muito influenciado (graças a Deus) pelas ideias femininas. Sonhava em namorar, andar de mãos dadas pelas ruas, ficar abraçadinho sentindo o cheiro da amada e beijar muito na boca, como eu queria! Não sabia “chegar” nas meninas e quando chegava não sabia o que fazer. Eu era um vexame completo, mas nas rodas de conversa com os moleques da minha idade eu contava muitas histórias, o pior é que alguns acreditavam. À noite, vendo as novelas me colocava no lugar dos galãs e dormia abraçado ao travesseiro imaginando abraçar as meninas da novela. Oh dor!
São Gonçalo é terra de mulher bonita, eu ficava doido vendo as meninas do Colégio Paraíso indo e vindo com aquelas sainhas de prega que passavam sem me notar, mas eram todas minhas namoradas, só não sabiam disso. Eu tinha um colega que trabalhava numa oficina de bicicletas e conhecia muitas meninas, vivia rodeado delas e eu ficava de longe olhando, mas elas nem notavam minha presença. Um dia ele me chama e me fala:
_ Tem uma menina que quer falar com você.
Eu, na mais pura ignorância ainda pergunto:
_Falar o quê?
Ele dá uma gargalhada e retruca:
_ Tu é burro mesmo! Ela quer te namorar!
Quando ele falou isso eu fiquei sem ação, sem voz, parece que o mundo foi sumindo de mim como se eu atravessasse a atmosfera e me visse lá no espaço sideral na mais completa escuridão. Demorei a me recompor, juro! Ele marcou o encontro com ela e eu estava tão nervoso que fazia xixi de minuto a minuto.
Tomei banho o dia todo, me perfumei, escovei os dentes mais de mil vezes, comprei chicletes e ainda coloquei pasta de dentes dentro da caixinha para não fazer feio. Usei o perfume de vovó, era de alfazema e fui ao tão esperado encontro. A menina tinha, se muito 1,60m de altura e eu, com quatorze ou quinze anos já era um vara-pau.
Quando cheguei perto dela meu corpo todo tremia, ela sorriu um sorriso sapeca e entrelaçou a mão dela na minha, fomos caminhando até a estação de trem do Porto da Madama, ali tem uma altura entre a linha férrea e a rua principal. Ela sentou-se na parte alta e eu fiquei em pé, encostado nas pernas dela. Sem dizer palavra, fiz como nas novelas, segurei o rosto dela com as duas mãos, ela já veio meio que de lado e fechando os olhos, meu corpo todo tremia, eu fechei os olhos, abri a boca e fui!
Errei a boca! Pegou no queixo! Que desespero! Mas foram frações de segundos até as bocas se encaixarem e o meu peito explodir como um novo big bem criando infinitos universos dentro de mim. Que coisa boa! Como foi bom aquele momento!
Quando ela conseguiu respirar me disse:
_Você é falso!
Eu perguntei:
_ Por quê?
Ela responde:
_ O primeiro beijo que você me deu foi no queixo e beijo no queixo é falsidade.
Mal sabia ela que eu jamais beijara alguém, que era mais virgem que nuvem que nunca fez chover e que ela era o meu primeiro amor.
Lembranças... Estou muito feliz!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.