Gosto de gente esperançosa - por Karla Amaral
Vivemos dias tenebrosos, são tempos difíceis. Dizem que estamos vivenciando a era da pós-verdade que seria quando fatos e informações verídicas são contestadas por crenças pessoais e isso pode influenciar comportamentos humanos e toda uma sociedade. A pós-verdade seria dizer que a verdade já não prevalece mais, que ela passa a ser irrelevante diante daquilo que a pessoa escolhe acreditar e que passa então a ser considerado por ela a verdade. A pós-verdade está bem pertinho da gente. Ela está na mídia, na política, na justiça, nas relações. Ela está lá no grupo de zap zap da tia. A “pós-verdade” (entre aspas entendendo aqui como excesso de narrativas e interpretações) cansa! E como cansa!
Este sentimento de cansaço diante do reconhecimento dessa experiência diária, sem trégua, sem férias, sem pausa, para mim Karla, é rebatido e diminuído por um outro sentimento. Este sentimento é um pouco mais difícil de se contagiar e propagar, mas é tão necessário nestes tempos. Falo aqui do sentimento da esperança. Sim, a boa e velha esperança. Aquela que nunca morre! E para refletir sobre esse sentimento eu recorro ao Paulo Freire (novamente e sempre!).
Freire dedicou um livro para tratar desse sentimento e sua pedagogia. Ele diz que sem esperança não podemos iniciar nada. Ela é ponto de partida para viver, amar, ser e estar no mundo. E aqui abro aspas para lê-lo: “A esperança é necessidade ontológica. [...] A desesperança nos imobiliza e faz sucumbir no fatalismo onde não é possível juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do mundo. [...] Não sou esperançoso por pura teimosia mas por imperativo existencial e histórico.” (FREIRE, 1992). Temos aí uma indiscutível e árdua tarefa. A esperança requer prática, requer ação.
Paulo Freire escreveu os textos da Pedagogia da Esperança no início da década de 90 quando o Brasil passava por um contexto político conturbado com o impeachment de Collor e foi indagado sobre o motivo de escrever sobre esperança naquele momento. E Freire disse que mesmo neste cenário o povo gritava, ele via uma esperança “nas esquinas das ruas, no corpo de cada uma e de cada um de nós [...] É como se a maioria da nação fosse tomada por incontida necessidade de vomitar em face de tamanha desvergonha” (FREIRE, 1992). Qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência.
Entretanto estou escrevendo isso tudo para reafirmar e reiterar Freire na era da pós-verdade e reativar a minha esperança e talvez ajudar você que está lendo este texto no exercício da sua esperança. Escrevo para dizer que eu gosto de gente esperançosa! Estar cercada de pessoas que não sentem, não experimentam e não exercitam seu sentimento de esperança diariamente me traz desesperança e esse é, com certeza, um sentimento que não desejo cultivar. Sim, está tudo muito difícil e extremamente cansativo, contudo a esperança nos ajuda no equilíbrio da existência. Sejamos gente esperançosa
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Contribuição do editor:
Karla Amaral é psicóloga e escreve para o Daki aos domingos.