Enoque - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Ali pela década de 1970 Zeferina chegou nestas terras com Enoque enganchado na cintura, uma pequena mala com algumas peças de surradas roupas e a necessidade de sobreviver saltando aos olhos. Zeferina corria da dificuldade de emprego que no Nordeste, de onde veio, é ainda pior que aqui no Sudeste. Se instalou na casa da irmã e com foco e determinação logo arranjou um trabalho na fábrica de conservas Rubi, ali no Gradim. Em pouco tempo já tinha alugado uma pequena casinha para ela e para seu pequeno Rei.
Enoque era só alegria, nos seus oito anos de idade estava fascinado com a cidade que corria parada com tantas coisas para ver e fazer. A única coisa que o entristecia era a criançada que fazia bullying com ele por causa de seu tipo físico atarracado e imitavam a voz anasalada e fina de Zeferina quando o chamava:_Inoque! Vai na venda pá mamãe compá charque e passa na casa de fazenda pá compá linha e butão! Inoque! Tá mouco menino?
Apesar de chateado Enoque nunca demonstrava seu descontentamento e logo arranjou um jeito de tirar proveito da situação. Com uma pequena caixa de isopor e uma bicicletinha que mais parecia um velocípede saia pelas ruas vendendo picolés gritando:_ Olha o picolé de mainha! Tem de araçá, pitomba e pinha pá tua boca ficá bem fresquinha! Ei! Vem compá picolé de mainha!
O sucesso foi tão grande que com o passar do tempo Enoque não precisava nem sair de casa, os fregueses vinham o dia todo, às vezes até a noite comprar os “picolés de mainha.”
Enoque cresceu, fez faculdade, casou com Maria, conterrânea, baixinha e tão trabalhadora quanto ele e Zeferina. Daquela caixinha de picolés saíram várias lojas alugadas, estabilidade financeira, uma vida feliz com Maria e o único filho Júlio Cesar que ajuda a tomar conta dos negócios da família.
Zeferina, hoje com quase oitenta anos mora num sítio cercada de tudo que gosta, de criação à plantação e passa as tardes numa cadeira de balanço realizada e feliz depois de uma vida inteira de trabalho. Enoque a visita todos os finais de semana com a família e vira criança de novo à caça de passarinhos e preás pelo sítio.
Na cidade tem muitos amigos e até hoje quando passa na rua tem sempre alguém que imita a voz fina e anasalada de Zeferina para mexer com ele:_Inoque! Vai na venda pá mamãe!!!! Enoque lembra da mãe e de todo o sacrifício feito por ela para que ele chegasse onde chegou. Olha para o céu, sorri e agradece ao criador por tantas bênçãos em sua vida, quando sabe que tantos irmãos que aqui chegaram não tiveram a mesma sorte.
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.