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Foto do escritorJornal Daki

Dúvida cruel

SÃO GONÇALO DE AFETOS


Por Paulinho Freitas

Arte: Daki
Arte: Daki


Anselmo acordou e olhou para o teto, não reconheceu seu quarto, nem as paredes, nem a cama, obviamente não estava em casa. A cabeça doía muito, ainda estava meio tonto. Olhou para o lado e viu uma mulher dormindo, não se lembrava de nada, a garganta seca, as mãos trêmulas, o corpo pesado, não conseguia levantar. Foi devagar e carinhosamente tirando o cabelo do  rosto dela que dormia como um bebê. Linda, ainda estava maquiada e seu perfume  fez reascender seu fogo novamente. 


No calor e no vigor de seus vinte e cinco anos  juntou seu corpo em concha com o dela, começou beijando seu pescoço, as costas, ela tinha sono pesado e nem se mexia. Soprou em seus ouvidos delicadamente e quando começou a beijar seu rosto sentiu que ele era mais áspero que o normal, parecia ter pelos mais grossos, com as mãos próximas do sexo dela recuou, ficou com medo do que poderia encontrar ali. Levantou-se pé ante pé, vestiu-se e foi embora.


 No caminho foi lembrando que na noite anterior saiu com Sahyene, caixa de supermercado e difícil conquista. Foram três longos meses indo ao mercado todos os dias, insistindo por uma chance de se conhecerem melhor. Foram à roda de samba Terreiro do Zé, a mais famosa da cidade, ele cheio de maldade pediu um balde de cervejas e duas caipirinhas, ela bebeu a caipirinha quase que de um gole só, ele gostou e pediu mais duas.


Começaram a dançar uma gafieira ao som do grupo Merece Respeito, que o nome já diz, merece mesmo. Mais um balde de cerveja e mais duas caipirinhas depois estavam os dois mais grudados que poesia de Fernando Pessoa na boca de Rose Kelly. 


Saíram pela rua se pegando, entraram num táxi e foram para a casa dela, até o portão ele lembrou ter chegado, daí pra lá não tem nenhuma lembrança.


Quando sentou no Uber sentiu um grande desconforto, chegando em casa tomou um banho, deitou e tentou dormir, o desconforto continuava, rolava na cama de um lado para o outro sem saber o que fazer e nem imaginar o porquê daquilo. Será que foi enganado? Seria ela um travesti? Se fosse, jurou arrancar o couro dela e jogar aos cães, dar uma coça de aleijar, descarregar uma arma inteira em seu corpo até parecer uma peneira de tantos furos que faria.


Não podia ficar com aquela dúvida, mas ao mesmo tempo, não queria saber da verdade. A dúvida estava lhe corroendo a alma. Dormiu um pouco e acordou com o telefone celular tocando, quando olhou na tela era Sahyene ligando. Não atendeu e ainda bloqueou o número dela. 


Passado uns dias as coisas começaram a voltar ao normal, já nem lembrava dela, não foi mais ao mercado e só saia pela outra rua, até que um dia a viu passar perto de sua casa, seu perfume, aquele perfume deixava seu dia mais feliz, tinha até vontade de cantar de tão feliz que ficou ao vê-la, sua vontade foi de correr atrás dela, mas machista e homofóbico recuou, se suas dúvidas se confirmassem uma tragédia aconteceria.


Depois de um mês não aguentou de saudade e ligou para ela, pediu desculpas por não ter atendido, estava muito perturbado e com problemas emocionais, precisava vê-la, não aguentava mais de saudade.


Do outro lado da linha ela repetia que precisava conversar com ele, precisava esclarecer as coisas, queria lhe falar, mas ele não ouviu, marcou naquela noite de ir para casa dela, se demorou no banho, pôs sua melhor roupa, comprou uma rosa e tocou a campainha, quando ela abriu a porta tomou-a nos braços e a beijou como se quisesse sugar sua alma para dentro de si.


Ela tentava se desvencilhar sem sucesso e terminaram na cama. Depois desse dia são como água e sede, não se desgrudam. Ele está feliz demais e ela nas nuvens. Ele resolveu a dúvida dele, eu é que estou morto de curiosidade para saber quem ela é, mas eu não tenho nada com isso, o importante é que estão muito felizes.


Oh dúvida cruel! 

 

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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.


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