Desesperadamente
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Por Paulinho Freitas
Esperando minha vez no consultório médico, mesmo sem querer ouço a mulher reclamando com o marido: _ Você não serve pra nada! Não sei onde estava com a cabeça quando me casei com você. Marcou a consulta no meio do dia, só para ir trabalhar na parte da tarde e chegar de madrugada em casa com aquele bafo de cachaça, falando língua estranha, parecendo ungido do senhor, quando na verdade é um profanador da fé. Nem fui ao quarto ver, mas aposto que a toalha ficou em cima da cama, o chinelo no meio do quarto e Deus sabe mais lá o que de errado vou encontrar, um bagunceiro nato, não posso nem reclamar das crianças, tiveram a quem puxar. Por isso estou aqui agora, com pressão alta, quase enfartando!
Quando chegar em casa eu quero ver seu celular, se tiver uma mensagem de alguma daquelas mocreias que trabalham com você, não sei o que faço. Estou até as tampas com essa situação. Toda hora ligam perguntando alguma coisa. Elas estão lá para trabalhar ou pra ficar enchendo seu saco o tempo todo? O que tanto dá errado para só você poder resolver? Hoje eu acabo com tua raça!
Ela falava baixo, mas gesticulava de tal maneira, parecia querer agredir o marido, que pacientemente olhava para o chão e balançava a cabeça positivamente. A porta do consultório é aberta e lá de dentro a voz do médico chama: Maria Cristina! E ela para o marido: Você fica aí! Não preciso de intérprete para falar com o médico. Levantou e saiu empurrando o pobre rapaz, que olhou para mim com um sorriso simpático e conformado me confidenciando baixinho: _ É a TPM. Daqui a pouco passa. Eu apenas sorri para ele. Alguns minutos depois ela saiu do consultório como uma ventania, pegou o rapaz pelo braço e saiu arrastando o pobre como se ele fosse uma criança pirracenta, mesmo se fosse, ela não o poderia tratar assim. Todos os presentes riam de canto de boca da situação que o rapaz estava passando.
Tive minha consulta e saí do prédio. Na parada de ônibus lá estavam os dois. Ela chorava abraçada ao rapaz e agora pedia desculpas: Eu não sei por que fiz aquilo, me perdoa, não faço mais, eu juro! É que às vezes eu acho que você não me ama mais. Jura que não vai me deixar? Jura que vai sempre me amar? Ele a abraça forte, olha pra mim, sorri comovido e responde a ela: “ ...Por toda a minha vida.”
Ganhei o dia!
Vivas à vida!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.