Como Édouard Manet lançou o primeiro 'nude' do século XIX?
Por Lucas Fortunato
Naturalmente ninguém poderia considerar uma inovação retratar mulheres nuas em pleno século XIX, visto que as imagens femininas despidas estão presentes na história da Arte desde a Antiguidade; principalmente explorando o seu corpo de forma sexualizada.
Para entender como Édouard Manet se destacou em sua época, é necessário conhecer o contexto em que viveu. A Europa da segunda metade do século XIX ainda vivia um academicismo na Arte, com regras rígidas de representação realista e perspectiva em suas obras. Predominava o Realismo, movimento que buscou trabalhar esse aspecto não só na visualidade das pinturas, como na própria temática, com significativas críticas sociais à Europa, que vivia a Segunda Revolução Industrial.
Manet, contudo, não privilegiou tanto um retrato das condições da população e trabalhadores da época, como seus contemporâneos Courbet e Millet. Deixou-se levar menos por um realismo social, influenciado principalmente pelo recém-lançado Manifesto Comunista (1848), aproximando-se mais de um realismo burguês, com imagens que ilustravam o cotidiano da classe. O que não significava, de forma alguma, um “conformismo” com as convenções vigentes.
Ocorre que, até então, a nudez era usada como um recurso fortemente associado às pinturas mitológicas e/ou alegorias (d)e fatos históricos. Como poderíamos observar nas cenas greco-romanas do Neoclassicismo, ou nos seios à mostra em “A liberdade guiando o povo” (1830), no Romantismo de Delacroix, por exemplo. Estava, portanto, limitada a contextos que não remetessem à época. O Realismo criticava justamente essa “fuga do presente” nesses dois estilos precursores.
Entretanto, em “Almoço na Relva” (1863), pintura que ilustra o post, Manet prefere ignorar esse critério e traz, em meio a dois homens e outra moça, bem trajados, uma mulher totalmente nua, sentada tranquilamente enquanto lancham. Uma construção que claramente remetia ao contexto da época, notado no local, nos trajes e nas feições representadas.
Por isso, essa composição foi considerada ultrajante, e encarada praticamente como uma exposição pervertida da nueza de uma moça conhecida da comunidade. Pense que hoje em dia, a nudez e o sexo são temas bem menos “tabus” na sociedade, mas ainda assim, se deparar com alguém do seu cotidiano, totalmente despido, ainda seria encarado como uma experiência pouco convencional...
Vale destacar que Édouard Manet não inovou apenas na ousadia de retratar mulheres despidas nesse formato. Se por um lado ele se aproximava do Realismo, trazendo o presente “nu e cru” para suas obras; em contrapartida, rompeu com muitos valores de perspectiva e representação da época. É considerado por muitos, um precursor do Impressionismo e da Arte Moderna, que logo viriam a desconstruir “de vez” o realismo acadêmico.
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Lucas Fortunato é professor de Arte, pesquisador no campo do Cinema-Educação.