Cidadania como prioridade
Por Hélida Gmeiner
Um dos principais temas que merecem a tão demandada autocrítica dos governos da esquerda brasileira, acredito, tem a ver com educação para a cidadania sob a perspectiva socialista. Dito isso, penso que seja mais importante apontar as necessidades e estratégias a adotar, que mergulhar num infindável "devíamos ter feito isso e aquilo".
Esse texto pretende ser esse tratado do que, acredito, devemos fazer a partir de agora que temos uma nova chance, seguida de uma desastrosa consequência dos nossos equívocos e negligências.
Aponto três importantes pilares para uma educação que possibilite fazer uma sociedade "imune", ou quase, às investidas da direita perversa. O conhecimento e a valorização das conquistas históricas; a consciência de classe; e a prática solidária e democrática cotidiana.
O estudo de História adotado no Brasil ainda está baseado na linearidade e na perspectiva colonial, muito mais do que deveria. Minha proposta é que esse estudo seja feito partindo do presente e da realidade atual, em busca das explicações históricas para este momento. Nesse sentido, o racismo estrutural, por exemplo, retratado no cotidiano em incontáveis episódios ou constâncias, seria o gatilho para o estudo do Brasil colônia e de nossa História. Relacionando os fatos históricos entre si.
A prática de um estudo da História partindo-se do presente possibilitaria alcançar o segundo pilar, a consciência de classe. É fundamental que a educação seja capaz de colocar aos sujeitos o lugar dele e de seus pares (familiares, vizinhos, amigos) na sociedade. Problematizando essa realidade, como consequência de uma trajetória histórica hegemônica.
O terceiro pilar nesse tripé da educação cidadã, a meu ver, incide em uma profunda reflexão curricular, negociada, experienciada e avaliada entre os sujeitos. Onde a empatia é profundamente estimulada e as decisões são partilhadas. Acredito que essa rotina baseada na observação da coletividade seja transformadora, construindo a cidadania plena, que coloca o bem comum em evidência.
Para começar, caberia ao MEC, no novo governo, recusar na BNCC e na reforma do Ensino Médio os mecanismos que visam exatamente o contrário do aqui exposto, pois propõem a alienação dos indivíduos em si mesmos, incapazes de questionar o status quo. Afinal, só quem sabe seu papel social é capaz de buscar outras possibilidades.
Há quem diga que essa educação é uma utopia. Eu, de cá, concordo. Mas me inspiro em Vítor Paro que disse, um dia, que "utopia é algo que ainda não existe, não significa que não possa vir a existir". Ou, no mínimo, vou com Galeano que explicou que a utopia serve para nos fazer caminhar… sempre em frente e sem tempo a perder…
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Hélida Gmeiner Matta é professora da Educação Básica da rede pública. Pedagoga, Especialista em alfabetização dos alunos das classes populares, Mestre em Educação em Processos Formativos e Desigualdades Sociais e membra do Coletivo ELA – Educação Liberdade para Aprender.