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Centro

Por Davi Freitas


Foto: Pixabay
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Havia um homem revirando o lixo. Seria péssimo ver alguém se sujeitar a dividir espaço com os ratos e baratas do centro para encontrar latas ou afins para conseguir algum dinheiro para comida, seria mais péssimo ainda vê-lo revirar aquilo para encontrar diretamente a comida. Das opções, aconteceu a pior. O homem estava comendo migalhas de pão e restos de carne de um churrasco de esquina e comemorou ao encontrar quase um litro de refrigerante quente deixado para trás.


Me perguntei imediatamente como alguém pôde desperdiçar algo que é tão valioso para outros. Me perguntei também que diferença faria se a pessoa não tivesse desperdiçado o refrigerante ou as migalhas.



-Que diferença estou fazendo ao empanturrar minha barriga com lanches o suficiente para dividir entre duas ou três pessoas?


Entreguei ao homem um dos lanches. Ele pensou em estender a mão, estendi a minha, ele desistiu de me cumprimentar no meio do caminho, não sei por qual motivo, desisti de cumprimentá-lo, também sem saber. Acenamos de longe um ao outro e provavelmente nunca mais nos veremos.


-Que diferença faria se eu o visse? Iria eu, ao vê-lo, segurar meu celular com mais força, travar a porta do carro ou mudar de calçada? Iria eu ao menos vê-lo?


Voltei ao meu banquete com menos um hambúrguer e sem fome alguma. Assisti ao programa de TV que passava atrás do homem enorme que fritava com habilidade milhões de coisas em uma grande chapa dentro de um pequeno trailer. Tempo o suficiente para perder a hora. Me levantei apressado, paguei no débito sem conferir o valor e corri para meu carro estacionado do outro lado da rua.


Pouco tempo depois, era fim de noite, o cheiro doce do sabonete misturado ao aroma do amaciante da roupa de cama recém-posta inebriava minhas narinas e ela acariciava o peito dos meus pés com a sola dos dela enquanto fazia barulhinhos e se aconchegava. Só então, no conforto da minha cama e da minha mulher, me recordei de ter deixado mais do que migalhas sobre a mesa do lanche de esquina. Pensei nas baratas e ratos, no homem e nas diferenças.


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Davi Freitas nasceu em São Gonçalo, cria da cultura gonçalense, desde sempre conviveu com músicos, poetas e escritores. autodidata, aprendeu violão e bateria sozinho e junto com o irmão Lucas Freitas fez algumas apresentações até ter, por motivos profissionais, que mudar de estado. Como escritor, participou, pela Editora Apologia Brasil da Antologia em Tempos Pandêmicos e inicia agora sua trajetória no mundo das crônicas e contos. 

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