Brincadeira tem hora
Por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Me conta o meu irmãozinho Jarrão que um amigo dele lá do Porto Velho vinha descendo o morro para comprar pão. Na esquina passa um amigo numa Kombi e o convida para entregar um eixo de embarcação num estaleiro na Ponta da Areia. O amigo reluta dizendo que tem que levar o pão para casa, tem que avisar a mulher e ainda por cima estava de bermuda, sem camisa e de chinelos. O outro insistiu dizendo que era coisa rápida e que demoraria menos tempo do que ir à padaria. Além disso ia rolar uma graninha. Sendo assim ele entrou. Foi parar na Bahia. Detalhe, o motorista não tinha dinheiro e foi fazendo as despesas no fiado até lá e na volta, uma semana depois, veio pagando todo mundo. Essa galera do Porto Velho não é mole não.
Do outro lado do Morro do Oriente moravam os amigos de infância Zé Castiçal e João Batatinha. Os dois, desde criança se provocavam. Quando Zé Castiçal passava na frente da casa de João Batatinha, este, escondido, jogava uma bola dessas de aniversário cheia de urina no colega que enfurecido jogava pedras no telhado, xingava até as suas futuras gerações. Quando João Batatinha passava pela casa de Zé Castiçal era a mesma coisa e às vezes era coisa pior que urina e o colega retribuía com ainda mais xingamentos e pedradas.
Os dois cresceram assim. Quando João Batatinha se casou, comprou uma casa de fundo de terreno e sua esposa plantou um imenso jardim na frente da casa e ainda sobrou espaço para uma bonita horta. Certa vez fizeram uma viagem para comemorar o primeiro aniversário de casamento. Zé Castiçal não perdeu tempo, foi lá e colocou uma plaquinha: “ACEITA-SE ATERRO”. Quando o casal chegou de viagem haviam colocado em seu quintal mais de dez caminhões de aterro, destruindo todo o jardim e a horta.
A mulher chorou tanto que passou mal e enquanto era levada por vizinhos para o Pronto Socorro, João Batatinha procurava Zé Castiçal com uma pistola jurando matá-lo ainda naquele dia.
O tempo, remédio para todos os males se encarregou de apaziguar os ânimos. O caso foi abafado, jamais esquecido.
Zé Castiçal arranjou um emprego numa plataforma de petróleo lá na Bacia de Campos e logo que embarcou para sua primeira Jornada de Trabalho, João Batatinha bateu em sua porta convencendo sua mãe de que o filho mandara ele pegar o seu carro para levar à oficina para manutenção. João Batatinha pegou o carro e o penhorou com Jorge Capivara, um agiota sem coração que tinha uns barcos de pesca e passeio marítimo lá no Pontal.
Quando Zé Castiçal chegou e soube do que tinha acontecido foi procurar João Batatinha que aquela altura dos acontecimentos estava na Bahia com a esposa, curtindo com o dinheiro da penhora do carro, o carnaval de Salvador. Zé Castiçal foi até Jorge Capivara na intenção de esclarecer o acontecido, mas o agiota só queria saber de seu dinheiro e o que tinha acontecido não era problema dele. O enfurecido Zé Castiçal nada pôde fazer além de entregar todo o salário e ainda pegar um empréstimo bancário em nome da mãe para recuperar o carro. Os vizinhos convenceram Zé Castiçal de que João Batatinha se vingara pelos caminhões de aterro e agora estavam quites.
Zé Castiçal concordou, mas não esqueceu. Tanto que ao chegar de viagem, João Batatinha encontrou uma carta vinda lá da Paraíba informando que seu tio, fazendeiro, havia falecido e deixado suas terras para o único sobrinho, nesse caso, João Batatinha, que pegou o primeiro ônibus que viu na Rodoviária para ir ao encontro de sua herança. No mesmo momento, o falido tio de João Batatinha pegava um ônibus da Paraíba para o Rio de Janeiro por ter recebido uma carta com o mesmo conteúdo. Naquela época um telefonema interurbano era uma fortuna e não se tinha como confirmar. Foi uma confusão dos diabos.
No fim foi até bom. João Batatinha se estabeleceu por lá, o tio, depois de ter caçado Zé Castiçal por cada palmo dessa cidade, sem sucesso, voltou para o nordeste ao encontro de João Batatinha que jamais pisou em São Gonçalo de novo.
Zé Castiçal embarcou numa aventura sem volta, seguiu junto com um vizinho numa expedição para o norte do Brasil atrás de pedras preciosas e ouro. Não se sabe se enricou, ou se morreu, o certo é que também não pisou mais em São Gonçalo.
O filho de João Batatinha, Ariano, estudioso que só ele, veio para o Rio de Janeiro cursar faculdade. Quando foi visitar a avó no Gradim, ao passa por uma casa viu, debruçada sobre o muro, uma bela menina, quase de sua idade. Os dois se entreolharam e sorriram um para o outro enamorados, mesmo sabendo da história de desavença de seus pais. Na casa da avó, Ariano pensava nela, na casa dela, ela pensava nele, enquanto enchia uma bola, dessas de aniversário com xixi.
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.