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Foto do escritorJornal Daki

Amigo Invisível

SÃO GONÇALO DE AFETOS


Por Paulinho Freitas

Foto: Pixabay



Quem não teve um amiguinho invisível na infância? Não sei o de vocês, mas o meu viveu junto comigo e acho que ele não cresceu. O moleque é levado. Tudo dá palpite, tudo sabe, sempre tentou me botar em furada. Pô, o cara é chato! 


Quando éramos crianças ele sempre me incitava a fazer a coisa errada, só que na hora do castigo ele ficava rindo, só quem apanhava era eu, só quem ficava sem poder sair de casa era eu, quem ficava sem mesada,( se eu tivesse uma), era eu também. 


Fomos crescendo e ele me sacaneando, só me dava conselho errado. Nos bailes, ele ficava mandando eu chamar para dançar a garota mais bonita, mais cobiçada com o argumento de que eu nada teria a perder e a única coisa que poderia acontecer era ela dizer não. Claro que ela dizia não e claro que eu acabava a noite na fossa, ouvindo Rock And Roll Lullaby, chorando baixinho com a cara enterrada no travesseiro, enquanto ele rolava no chão, gargalhando da minha desgraça. 



Quando comecei a trabalhar, ele não me deixava dormir cedo. Domingo à noite, quando tocava a música do fantástico e todos já procuravam seus cantos para descansar, lá vinha ele: _Dorme agora não, vai passar um filme legal! Se eu estivesse em algum lugar ele fazia tudo do para que eu não fosse embora. Uma hora dizia que estava cedo e ficava me provocando, dizendo que eu não me garantia em beber mais um pouco. Aí, no dia seguinte, na hora de levantar eu me arrastava da cama para o banheiro, de lá, me vestia e ia só o corpo pro trabalho enquanto a alma vagava em algum canto de minha ressaca. 


Aí fiquei adulto de vez e parei de dar atenção a ele, mas ele não parou de me tentar a fazer o errado. Tanto que quando vou ao banheiro ouço ele falar: Levanta a tampa do vaso não, você não é obrigado. Quem vier depois que limpe! Ou ainda quando estou no bar, batendo um papo com os amigos e dá minha hora de ir embora, lá vem ele de novo: Depois de velho é comandado pela mulher. Fica mais um pouco, bebe a saideira, deixa de ser frouxo!



Ele faz de tudo pra me ver enrolado. Diz pra eu não tomar remédio, pra eu comer e beber o que eu não devo. Ele não tem limites, ele não cresceu. Fico imaginando que ele não é o único. Todo mundo tem um amigo invisível. E eles nunca nos dão bons conselhos. Eu não coloquei nome no meu. Tento fazer de conta que ele não existe e ele some por uns tempos.


Quando eu menos espero, quando preciso tomar uma decisão, lá vem aquela voz infantil nos meus ouvidos: _Ó nós aqui travez! Me dizendo para tomar o caminho errado. Chego a sentir ele me cutucando. Ô bichinho chato! Não adianta negar, você também tem um amigo invisível, tão chato e levado quanto o meu. Tem até nome. É mentira minha? 


Fala aê! 


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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.

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