Agudás Nordestino - por Paulinho Freitas
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Raimundo Nonato nasceu em Reriutaba, Cidade Cearense, pacata e pequena. Cresceu numa rua de barro, perto da rua principal que ele chamava de rua grande. Nonato tinha como melhor amigo o Zeferino, filho de Zefinha. A maioria daquele povo trabalhava na lavoura e o sonho de todo mundo era ter um pedacinho de terra para plantar, um poço jorrando água e uma pequena criação de galinha, cabrito e porco para alimentação e uma vaquinha dando leite. Um rádio para ouvir as notícias e as novelas e aquela rede na varanda para nas noites quentes namorar sentindo um ventinho fresco batendo na bunda e a lua testemunhando tanta felicidade.
No domingo, missa pela manha, na igreja de N. Sra. do Perpétuo Socorro, no almoço aquela buchada de bode, uma caninha pra ver o mundo girar até ficar de cabeça para baixo e acordar na segunda feira com saudade da sexta. Para quê mais? Ê vidão!
A vida de Nonato também era pautada nessa rotina, mas o sonho dele era fazer dezoito anos e ir para São Paulo ou Rio de Janeiro, terminar os estudos, fazer dinheiro, comprar aquele pedacinho de terra na sua cidade natal e ficar deitado na rede todas as tardes vendo o sol arriar lá na serra no horizonte avermelhado dando lugar a mais linda lua que o mundo não viu. Quem não foi em Reriutaba nunca viu uma lua de verdade, aquela que fala com a gente, que olha pra gente com olhos de mãe e vai cobrindo a gente com aquele orvalho gostoso e fresquinho, fazendo o sono parecer um beijo de quem se ama.
Nonato tem os cabelos ruivos e muitas sardas, todas as vezes que vinha da escola, o amigo Zeferino, filho de Zefinha, já estava na lavoura e lá de longe gritava: _ Vai calango de fogo! Nonato ficava possesso e devolvia: _ Calango de fogo é o fiofó de Zefinha!. E corria atrás de Zeferino até o ribeirão onde pulavam gritando: _ Que se lasqueeeeeee!!!!
Caiam n’água e brincavam de afogar e pulavam das pedras a tarde toda. Quando voltavam para casa passavam pela chácara de Luiz Gordo onde “namoravam” umas cabras, atiçavam o cachorro bravo de dona Mariinha, jogavam água no gato de dona Menina e saiam correndo, gargalhando e vivendo como se aquela fosse a última tarde de suas vidas.
Aos dezoito anos, como sonhado, Nonato deixa Reriutaba num sexta-feira, num ônibus com destino ao Rio de Janeiro. Após dois dias de viagem chega a cidade maravilhosa, os olhos brilhando de felicidade, o coração pulsando rápido e feliz, era o começo do sonho. Num primeiro momento foi parar em Duque de Caxias, um dos lugares mais nordestinos do Rio de janeiro, depois da favela da Rocinha, é claro.
Começou a trabalhar como servente de pedreiro com o tio, em poucos anos já era profissional e comprara uma terrinha em Manilha, na divisa entre São Gonçalo e Itaboraí. Trabalhador e inteligente aperfeiçoou-se em revestimento interno e montou uma pequena empresa. Casou-se, teve quatro filhos, formou todos na faculdade, construiu um pequeno império. Todos os ano passava quinze dias em Reriutaba e conseguiu lá também comprar seu pedacinho de terra.
A saudade era muita. Ver aquele por do sol de novo, sentir aquele ventinho da tarde, ouvir o sino da Igreja, comer aquela buchada de bode com caninha era tudo o que ele queria na vida e com quase setenta anos sentiu que era hora de voltar. A mulher, natural do Rio de Janeiro jamais se acostumaria a viver numa cidade tão pacata e tão pequena. Nonato não titubeou, fez questão de pegar um ônibus de volta, apesar de ter posses para viajar de avião quis refazer aquele trajeto, que na vinda era uma mistura de expectativa, medo e esperança, agora era de certeza de conforto.
Lembrou que desde que partiu nunca mais viu seu amigo Zeferino que passou a vida trabalhando na roça, lembrou-se das cabras de Luiz Gordo, do cachorro de dona Mariinha, do gato de dona Menina e das tardes que pareciam ser uma mistura de colo de mãe com beijo de amor. A infância foi assim.
Ao chegar em Reriutaba, numa tarde de 27 de junho, dia da padroeira, Nossa senhora do Perpétuo Socorro, a primeira coisa que fez foi ir à igreja, os olhos pareciam uma cachoeira de tantas lágrimas vertidas, de joelhos agradeceu por ter ido, ter vencido e ter saúde para voltar vencedor. Apesar de deixar uma vida inteira noutras paragens era ali que seu coração se sentia feliz. Andou pelas barracas, sentou numa delas, pediu uma garrafa de aguardente, uma buchada de bode e chorou, comeu, bebeu e chorou.
Quando a garrafa já estava pelo meio ouviu uma voz familiar: _ Calango de fogo! Instintivamente respondeu: _ É o fiofó de Fiinha! O amigo que uma vida inteira povoou seus pensamentos e lembranças ali estava de novo, de verdade, em carne, osso e saudade. Os dois se abraçaram e saíram em carreira até o ribeirão e ao pularem na água aquelas duas crianças exclamaram como há quase sessenta anos: _ QUE SE LASQUEEEEEEEEEEEE!!!!!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor.