Acho que São Gonçalo está viva - por Mário Lima Jr.
Me disseram que São Gonçalo estava morta. Que não tinha nada de bom e transbordava coisa podre. Quem disse foram os próprios moradores da cidade, gente mais experiente e mais velha do que eu. Acreditei completamente por 30 anos, agora desconfio de que mentiram pra mim. Existe vida até no mar de São Gonçalo, que todos os dias recebe toneladas de esgoto in natura da população. As garças estão lá agora, voando sobre as carcaças de barcos abandonados e descansando sobre as boias de sinalização. Na primeira oportunidade, sempre elegantes, mergulham no mar, superam a camada fedorenta de óleo na superfície, trazem um peixinho no bico e engolem. Será que para os gonçalenses a resistência da natureza não é suficiente?
É verdade que os pescadores do município não enchem mais o barco de peixes, mas ainda há quem encontre no mar o sustento da família. Eles juram que há capivaras em grupos enormes e cobras gigantescas nas ilhas próximas da costa gonçalense que percentem à União. Pescador é bicho esperto e merece confiança. No mesmo juramento, afirmam que nunca teriam coragem de pisar nessas ilhas. As árvores de lá formam matas tão cheias que bloqueiam a visão do que acontece no interior. Ora, aprendemos na escola que os vegetais também são seres vivos. Claro que São Gonçalo está viva. Matá-la antes da hora seria um desrespeito contra a inocência do pescador, afinal, uma cidade não morre enquanto transmitir suas lendas e histórias de mistério.
Antes límpido, transparente, o mar se tornou sujo e opaco. Sacolas plásticas boiam por toda a extensão da Baía de Guanabara que banha São Gonçalo. O fundo da Baía está tomado por garrafas pet emboladas em redes de pesca sob uma lama tóxica e cortante. Podemos reconhecer esses e muitos outros problemas sem impor uma sentença de morte ao município. Ou colocá-lo em posição de desvantagem em relação às cidades vizinhas banhadas pelo oceano. Aliás, discuti-los ajuda na conscientização do povo, único capaz de lutar para que o meio ambiente pare de ser agredido.
Junto com o óleo, com as sacolas e garrafas plásticas, nadam corvinas compridas de fazer inveja aos amigos de pescaria. Mesmo bastante fragilizada, São Gonçalo apresenta sinais claros de que não morreu e isso muda tudo. Ao invés de “Ressuscita, São Gonçalo! Liberta, DJ!” precisamos de um grito parecido com “São Gonçalo está viva! Deixem a cidade respirar!”. Em vez de desesperadamente procurar outro lugar para viver, os gonçalenses podem saber que não estão sozinhos tentando sobreviver mais um dia.
Mário Lima Jr. é escritor.