A vizinha, por Fábio Rodrigo
Acordo às seis horas da manhã para ir trabalhar. Às sete saio de meu apartamento no décimo andar e aperto o botão do elevador para descer até o estacionamento. À espera do elevador, sinto uma bela fragrância deixada no ambiente. Como só há dois apartamentos por andar, já sei que o vizinho ao lado desceu antes de mim. Ou melhor, a vizinha. Já que pelo odor, presumo ser uma mulher.
É uma fragrância que transmite imponência ao ambiente. É aquele cheiro que marca o território. Pelo odor, é possível prever que tal mulher tem muito bom gosto por perfumes. Não consigo identificar qual é, mas, sem dúvida, está longe de ser um perfume barato. É interessante como o aroma mostra a personalidade de alguém. Fatalmente é uma mulher que detém um cargo de confiança na empresa que trabalha. O cheiro diz que esta pessoa tem poder. Ela é quem manda. Entro no elevador e continuo sentindo o cheiro.
Ao sair do elevador, percebo que o rastro do perfume está também no estacionamento. Nem o odor do meu cigarro é capaz de dissipar tamanha fragrância. O cheiro inebriante dele (do perfume) ou dela deixa qualquer um anestesiado. É o momento em que os pronomes (ele e ela) se fundem em um só. Somente quando chego ao meu carro é que o cheiro se esvai e perco o contato com ele. Ou talvez com ela.
Todos os dias é esta rotina: ao sair às sete do meu apartamento, o inconfundível aroma penetra minhas narinas. Até que, em um dia, ao sair para o trabalho, coincidentemente, encontro com a vizinha no corredor. Reconheci-a pelo cheiro. Era o mesmo perfume de sempre. Interessante como o seu traje confirmava tudo aquilo que eu imaginava dela. Trocamos os bons dias e descemos em silêncio até o estacionamento. Ao sairmos do elevador, nossos caminhos finalmente se irrompem e cada um seguiu o seu próprio destino.
Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.