A Praga
Por D.Freitas
Ela me rogou uma praga com uma frase pronta de página de adolescente em rede social:
Te desejo insônia e um monte de lembranças minhas.
Sou descrente em tudo. Deuses, magia, simpatias e afins. Sendo assim, nunca achei que isso pudesse ter algum efeito.
Vivi muito bem a minha vida. Casei com uma mulher que me completa e vivo bem com ela há anos. É lindo como a gente vive. Se existisse um pay per view, certamente pensariam que vivemos seguindo um roteiro.
Na nossa vida ocorrem aquelas cenas clássicas de dividir o espelho do banheiro enquanto ela escova o dente e eu faço a barba. Ambos conseguem se ver no reflexo pela diferença de altura. Ela enxagua a boca e o rosto. Pinta meu nariz com espuma de barbear e eu gargalho disso tudo. Trocamos um selinho e seguimos nossos afazeres.
Me arrumo para trabalhar enquanto ela serve duas xícaras de café. Ainda com a gravata folgada, passo geleia nas torradas e trocamos os itens um com o outro. Cada um com sua torrada e seu café, nos sentamos na varanda para ver o Sol terminar de nascer. Dividimos normalmente nosso espaço com nossos gatos de estimação.
Ao fim do café, deixamos a louça pra depois enquanto planejamos o que fazer após o expediente. Me despeço dela enquanto ela ainda veste uma camisa minha como pijama.
Entro no carro exalando o cheiro do seu shampoo no meu peito deixado no último abraço dado antes de partir. Quando ele está quase desaparecendo, já é hora de voltar. Parto o mais rápido possível para vê-la. A encontro como se não a visse por muito tempo, cumprimos nossos planos.
Às vezes vemos alguma séries, às vezes arrumamos algo na casa. Às vezes a gente namora no sofá como adolescentes que éramos quando nos conhecemos, às vezes nos encontramos na cama como jovens adultos que ainda somos. Dormimos sempre juntos e ocupamos o espaço de apenas uma pessoa, deixando todo o resto da cama para os gatos folgados. No dia seguinte tudo se repete.
Vivi muito bem esses últimos anos. Até a última noite. Onde lembrei de que por alguns minutos deixei tudo isso de lado. Arrisquei toda felicidade que eu tenho agora, mas não podia negar o jeito que aquela boca me convidava. Não podia conter o desejo de passar por aquelas curvas. Quase não pude conter a curiosidade, o ímpeto e a adrenalina.
Talvez, não tenha esquecido justamente porque não a tive. Na suposição todos somos perfeitos e tenho certeza que quem me conhece, também acha que eu sou. Mal sabem que eu, que durmo normalmente tão bem, às vezes perco o sono por almejar coisas que não vivi. Não creio em absolutamente nada, tampouco na praga que um dia me foi rogada, mas sei que algumas pessoas têm o dom de se entranhar na mente das outras. A "bruxa" teve o dom de se entranhar na minha mente e seu feitiço nada mais era do que as promessas de algo que nunca poderemos saber como seria.
-Será?
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Davi Freitas (D.Freitas) nasceu em São Gonçalo, cria da cultura gonçalense, desde sempre conviveu com músicos, poetas e escritores. autodidata, aprendeu violão e bateria sozinho e junto com o irmão Lucas Freitas fez algumas apresentações até ter, por motivos profissionais, que mudar de estado. Como escritor, participou, pela Editora Apologia Brasil da Antologia em Tempos Pandêmicos e inicia agora sua trajetória no mundo das crônicas e contos.