A face de Deus
- Jornal Daki
- há 2 dias
- 3 min de leitura
Atualizado: há 1 dia
SÃO GONÇALO DE AFETOS
Por Paulinho Freitas

De vez em quando me pego pensando nas pessoas que me cercam. Umas que nem presto atenção por não ter afinidade, ou não ter contato frequente. Justamente essas pessoas é que deixam histórias que marcam. Nem sei por quê.
Celina não é do meu círculo de amizade frequente, nos vemos muito pouco e no pouco tempo que passamos juntos é somente um alô, um bom dia, um como vai e nada mais. Só que ouvido de músico é um problema, você escuta até o que não quer. Tocar, não toco nada, o suficiente para compor uma coisa aqui, outra acolá, mas ouço muito, da vida alheia então, adoro.
Celina separou-se do marido, antes dele ela já tinha uma menina e com ele veio um menino. Quando veio o baque da separação ela ficou desconsolada, como faria para sustentar aquelas duas crianças, já que sua instrução é pouca e não tem uma profissão?
No início a família deu aquela moral, mas o tempo passa e com o tempo vem as cobranças: _ você precisa arranjar uma forma de ter seu dinheirinho. Arranjar uma ocupação, qualquer coisa que entrar já é lucro. Celina tentava, acordava cedo e saía à luta procurando qualquer coisa. Conseguiu uns dias para faxinar umas casas, mas não era toda semana que tinha trabalho. Ficou nesse sofrimento por bastante tempo. À noite, deitada com os filhos na cama, enquanto as crianças dormiam ela chorava calada e queimava os miolos pensando num jeito de alimentá-los no dia seguinte. As cobranças continuavam e ela não podia sair um pouquinho mais arrumada que lá vinham as línguas de sinhá, aquelas “sem pecado” que se criam no suposto erro de alguém: _olha lá, já vai caçar homem na rua. Não quer nada com o trabalho, a família é quem sustenta os filhos. A menina está largada na rua, daqui há pouco “se perde.” O menino, coitado, fica sozinho e já já entra pro mau caminho. Celina seguia seu caminho compenetrada, tinha certeza de que um dia sua sorte ia mudar. E não é que mudou mesmo!
Uma amiga arranjou um trabalho para ela numa repartição pública, para fazer e servir café. Ela ficou radiante, emprego fixo, carteira assinada, um salário, as coisas começam a melhorar. Com o tempo passando e cativando amizades, conseguiu autorização da chefia para levar uns quitutes, que faz com maestria. Leva empadinhas, bolos, sanduiches natural e até sucos feitos de poupa de fruta, tudo uma delícia. O pessoal acaba com tudo antes do almoço. Celina fica até de madrugada cozinhando. Quando as crianças estavam doentes, quase não dormia, se desdobrava em mil para dar conta de tudo. Hoje, a menina já é quase adulta e ajuda a cuidar do irmão enquanto a mãe está no trabalho. Os dois estão indo bem nos estudos e não dão trabalho algum. O ex marido já tentou reconciliação diversas vezes, mas ela não quer saber de relacionamento conjugal, quer liberdade, trabalho, sossego e nada mais.
Ela adora um pagodinho e todas as sextas após o trabalho toma aquele chopinho, que ninguém é de ferro e corre para casa. Sempre que pode sai com as amigas, recebe vários convites para sair, para “ficar”, mas ela só quer viver. Tem um ficante fixo, que não conta pra ninguém quem é. Está feliz, isto é o que importa.
Eu, na minha santa ignorância, fico pensando: acho que Deus é mulher. Que homem vai conseguir ter esta força toda de trabalhar dia e noite, cuidar de casa, de filho, aturar gente fofoqueira falando da vida dele, um monte de babacas assediando sem parar. Não, homem não aguenta isso não. Se não tiver uma mulher do lado, ele não consegue cuidar nem dele direito. Deus é mulher. Tenho certeza!
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Paulinho Freitas é sambista, compositor e escritor