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A crise do coronavírus e seus rearranjos “glocais”, por Sammis Reachers


INDRANIL MUKHERJEE / AFP
INDRANIL MUKHERJEE / AFP

Teóricos das mais diferentes disciplinas têm observado com espanto tanto esta crise global causada pelo Covid19, quanto as perspectivas que se descortinam após o sombrio horizonte, quando finalmente (que perto esteja!) rompermos essa cadeia que nos encerra.


O consenso é o mesmo: O de que o mundo o mesmo já não será, mas um rearranjado. Pois é patente que o mundo passa e passará pelo que eu tenho chamado de um Reordenamento Estrutural Glocal (Glocal = Local + Global).


A explosão de dramas existenciais os mais diversos ocupará as manchetes de jornais, as conversas de bar, de clube, de banco de igreja, e as obras de artistas de todas as assim chamadas nove artes, por muito tempo.


Novas patologias psíquicas emergirão deste período? É provável. Muitas pessoas, jamais submetidas a um tal estresse psicológico, terão nele o gatilho que de outra forma talvez nunca sofressem, para a eclosão do trauma e seus manifestos.


Esse entrevero todo abre espaço, por outro lado, para, se não o ressurgimento (pois isso sempre esteve aí), ao menos a amplificação e recalibração dos movimentos de contemplação interior, da espiritualidade em suas múltiplas facetas à filosofia e seus questionamentos ontológicos. Observar como a natureza respira e prospera enquanto nós nos (res)guardamos em nossas casas dará também o que pensar, até mesmo àqueles que não costumam entregar-se a tão refinado esforço.


Outra assertiva: Haverá uma provável corrida ampla, tocada com algum desespero, em direção ao emprego público e suas (ainda?) seguranças, movida por novos e antes improváveis players, antes confortáveis em seus negócios particulares ou na vida corporativa. Isso porque os entusiastas do laissez faire foram golpeados na parte mais sensível de seus corações: O fundo do bolso.


Comércios e indústrias que forem heróis da resiliência precisarão cambiar de modus operandi (modo de operação) ou modus faciendi (modo de fazer) ou até mesmo modus vivendi (modo de viver). Os que ainda nem pensavam nas plataformas de vendas online, da tradicional e arcaica cerâmica de tijolos em Itaboraí até a mercearia do seu Antônio aí na sua esquina, precisarão focar nessa seara, nem que a título de ensaio. Afinal, quem sabe quando vem a próxima crise?


O sindicato dos entregadores há de se fortalecer: Em breve eles serão os novos “rodoviários”: Os emergentes aqueles-de-quem-as-urbanidades-não-vivem-sem. Isso, se ainda houver sindicatos – cujo principal inimigo, o (neo)liberalismo, tem sido chicoteado como um escravo de galé, e pode vir a ser o primeiro grande defunto de toda essa crise coronária – para desespero de viúvas e carpideiras. Mas aí já estaríamos tocando com um dos pés na ilha de Utopia...


O que não é utopia é que, ao fim e ao cabo, a humanidade vencerá. Escreva esta certeza, tatue dentro de seus sonhos e cismares: A humanidade assimilará o golpe, e se erguerá maior, pois ferida daquilo que a faz ser o que ela é, ferida de ainda mais humanidade.

Sammis Reachers é escritor e professor de Geografia.




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